Marcos Dutra, MBA - Editor     

   


A Neurose do Atendimento

Por Marcos Dutra    

   

       
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Marcos Dutra é editor do Pensando Marketing e profissional da área com passagem em empresas como Johnson & Johnson, Sadia e Credicard.

É formado em Economia pelo Mackenzie, Marketing pela ESPM e tem um MBA por Thunderbird, no Arizona.

 

 

Como um neurótico dos mais complicados, os marketeiros têm balançado entre extremos na hora de avaliar a importância do atendimento. Por um lado, temos aqueles que propõem o encantamento do cliente, o fornecimento de uma experiência e não apenas a prestação de um serviço ou entrega de um produto. Do outro lado, outros perceberam que agradar totalmente ao cliente significa dar o produto de graça e que muitas vezes não há retorno no investimento feito em um determinado segmento de clientes.

Com a concorrência mais acirrada, encantar o cliente de forma lucrativa fica mais complicado. Aqui vale fazer a distinção entre encantar e comprar o cliente. Certamente não é difícil deixar um cliente encantado se você der um ano de ligações de graça quando ele comprar um celular, mas isso nunca seria rentável para a empresa. Pior ainda, é possível tentar se encantar um cliente com brindes e tratamento especial quando nem se oferece o básico do serviço... para que adianta uma loja sofisticada na Times Square, onde o cliente tem uma “experiência”, se o tênis que você comprou lá descolar a sola em um mês de uso ? Muitas empresas brasileiras querem pular direto para o experience marketing antes de arrumar a casa.

Com a globalização e o enorme aumento na oferta, o cliente está hoje bem mais maduro em suas escolhas (talvez com exceção do mercado adolescente). Ele sabe que certos produtos são mais caros porque oferecem um conjunto de atributos de maior qualidade. Também sabe que há produtos mais em conta, mas que dos quais não se deve esperar os mesmos benefícios. Isso permite que a empresa trabalhe com uma variável importante: o gerenciamento de expectativas.

A chave aqui é a empresa não frustrar esta expectativa e trabalhar de forma a entregar honestamente o que se propôs a vender. É dentro desta perspectiva que o atendimento deve estar inserido.

ATENDIMENTO COMO ATRIBUTO DE PRODUTO

A maneira de resolver a neurose do atendimento é simples: a empresa deve definir o atendimento não como um custo extra, mas sim como uma característica / atributo / feature do produto.

Infelizmente, quase nunca o raciocínio das empresas segue esta lógica. Primeiro lança-se o produto, depois fica-se na torcida para que não haja muitas ligações. Quando elas acontecem, é grande a pressão para diminuir essa despesa, que acaba impactando muitas vezes até em verbas futuras de marketing.

Entretanto, não é assim que o consumidor pensa. Ele espera que o atendimento seja parte do preço que ele pagou pelo serviço / produto. Não um favor, nem um aborrecimento, mas parte do processo de compra, necessário para que o serviço / produto seja desfrutado em sua totalidade. Receber a senha para usar o cartão de débito não é atendimento na cabeça do consumidor, é característica do serviço. Sem ela, o serviço não funciona. Porém, quem cuida disso e em qual centro de custos está na empresa? No atendimento.

Desta forma, a perspectiva muda um pouco: eu não vendo um produto com um atendimento que encanta, mas sim um produto que, devido ao atendimento superior, é caracterizado como um produto premium e, portanto, mais caro. Não dá para surpreender um cliente com algo tão bom e inesperado, sem surpreender o seu departamento de custos também.

Produtos que encantam, que proporcionam uma experiência incrível, serão mais caros. Na verdade, não são produtos normais com um atendimento maravilhoso, mas se constituem em um segmento superior do mercado, porque o atendimento é o produto. Um caso clássico é o cartão Diners Club, mais procurado por sua sala Vip em aeroportos que por uso em compras. É até difícil definir qual é o serviço principal.

A empresa deve, então, posicionar sua linha de produtos incluindo a variável nível de atendimento. Obviamente, o básico deve ser um atendimento de qualidade, que permita ao cliente ter toda a funcionalidade do serviço. O premium, um atendimento que seja um serviço agregado em si.

PLANEJANDO O CUSTO DO ATENDIMENTO

Em seguida, o atendimento deve ser incluído na planilha de custos, da mesma forma que matéria-prima, overheads ou alocações. É possível se estimar estes custos através da experiência com produtos existentes ou através do nível de complexidade.

Que tipos de custos devem ser esperados? Quatro tipos básicos de contatos irão levar o cliente a procurar a empresa:

1)      atendimento funcional: neste item devem ser estimados os custos referentes ao funcionamento do produto e, como tal, este é o item que mais merece ser inserido no P de produto do mix de marketing. Aqui entram contatos como registro da compra, explicações de como funciona, como se instala, como se adapta, informações nutricionais, e informações contínuas (onde achar um caixa eletrônico, qual a concessionária mais próxima, quanto devo em meu extrato, etc.).

2)      atendimento a reclamações: problemas acontecem, e neste item eles podem ser registrados (e resolvidos!). Um subitem óbvio é aquele que trata da administração de produtos defeituosos.

Mas há um outro subitem que muitas vezes passa despercebido. É inevitável que uma parcela dos consumidores vá se enganar, entender errado as instruções e, frustrado, vá querer uma compensação. Ao invés de reclamar do consumidor ou dizer que estava escrito na embalagem e mandar que ele leia direito, a empresa deve aceitar esta despesa como o custo de atuar no mundo real e não no mundo perfeito.

Esta é uma realidade. Em meu trabalho como gerente de produto, geralmente recebia ligações de consumidores irados, repassados pela telefonista para mim ao invés de para o atendimento (é incrível como as telefonistas levam a sério essa estória que o marketing é que responde pelo produto!). Cansei de atender consumidores que reclamavam muito, apenas para concluir depois de algumas perguntas, que eles haviam cometido algum engano bem bobo. Porém, esse é o consumidor que, se respeitado, vai comprar novamente o produto. 

3)      atendimento como relacionamento ou diferencial: neste item o atendimento se confunde com uma atividade promocional com o fim de estreitar fidelidade e, como tal, pode ser dimensionada de acordo com os objetivos mercadológicos. Exemplos são envio de receitas para produtos alimentícios, envio de promoções para portadores de cartão de crédito, clubes de consumidores, etc. Aqui também entram os serviços extra que diferenciam o produto.  

4)      atendimento de assistência técnica: um item terrivelmente ignorado por muitas empresas cuja estratégia parece ser ignorar a assistência ou deixar nas mãos de terceiros de competência duvidosa na esperança que o consumidor compre outro produto novo. Novamente aqui cabe o gerenciamento de expectativas: para o consumidor, alguns produtos devem durar um mínimo de tempo ou serem facilmente consertados, ou adeus recompra.

É a partir da inclusão do atendimento na planilha de custos e da definição do posicionamento do produto levando-se em conta o nível de atendimento desejado que se pode fazer, após a análise do mercado, a formação de preços. Basicamente o que se está fazendo aqui é utilizar o atendimento como uma das variáveis no desenvolvimento de produto. Finalmente, comunica-se claramente, para não que não haja falsas expectativas.

Vale a pena reforçar: atendimento diferenciado, ir buscar cliente em casa de limusine, experience marketing, deve ser encarado como atributo extra de produto. Atendimento regular, por sua vez, causa compra repetida e satisfação de expectativas do cliente. De qualquer forma, ambos são parte do que o consumidor compra e paga.

A grande vantagem deste método é que, ao incorporar a idéia de que a empresa vende atendimento, e não somente um automóvel, ou seguro, ou iogurte, coloca-se o atendimento como uma prioridade (tal como é para o consumidor) e muda-se a atitude dos funcionários em relação a esta atividade: de “custo extra” para “parte do que vendemos”.

MAIO 2004 

 

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