Marcos Dutra, MBA - Editor     

   

Faça o Que Eu Digo,
Não Faça o Que Eu Faço

Por Marcos Dutra    

   

       
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Marcos Dutra é editor do Pensando Marketing e profissional da área com passagem em empresas como Johnson & Johnson, Sadia e Credicard, graduado com distinção no MBA de Thunderbird, nos EUA.

 

 

1º. ARTIGO DA SÉRIE "CULTURA EMPRESARIAL BRASILEIRA"

Preste atenção um minuto nestas declarações:

"Definir os mais altos padrões de honestidade, integridade e justiça ao lidar com nossos parceiros - que incluem nossos clientes, fornecedores, funcionários e comunidades - continua a ser a essência da cultura do Wal-Mart" (Rob Walton - Chairman of the Board - WalMart 2004 Annual Report)

"Nós gerenciamos nossa companhia com estrita aderência aos princípios baseados em fatos, onde cada indivíduo é responsável por suas decisões e ações" (Ken Lewis - CEO Bank of America - 2003 Annual Report)

"Os resultados de nossa companhia se devem no final ao talento, dedicação e desempenho extraordinário dos milhares de funcionários da Exxon Mobil no Mundo todo" (Lee Raymond - CEO - 2003 Annual Report)

"Somos responsáveis pelos nosso funcionários, homens e mulheres que trabalham conosco em todo o mundo Todos devem ser considerados em sua individualidade. Devemos respeitar sua dignidade e reconhecer seu mérito." (Política central de uma grande multinacional - nome ocultado por razões que ficarão claras abaixo)

É praticamente impossível ler um documento importante de uma grande multinacional sem nos depararmos com algum tipo de afirmação como as colocadas acima. É um total consenso que empresas que desejam ter inovação e motivação em suas equipes necessitam primeiro garantir um ambiente onde as idéias diferentes sejam respeitadas, onde o funcionário tenha a oportunidade de expor sua individualidade e onde os objetivos da empresa venham na frente dos objetivos pessoais de chefes ambiciosos e inescrupulosos.

Em minha experiência lidando com profissionais de empresas americanas, posso afirmar que estas diretrizes são, com as devidas exceções que confirmam a regra, levadas muito a sério nos EUA. A prática americana é muito menos paternalista que a brasileira, e o perigo do machado do corte de pessoal está sempre presente. Porém, enquanto o funcionário está no time, ele é encorajado a dar sua opinião e é respeitado em sua individualidade. Sua avaliação é baseada nos resultados que traz para a empresa, e não em seu "estilo".

Porém, o que acontece quando estas mesmíssimas empresas abrem uma filial no Brasil? Até que ponto conseguem trazer suas diretrizes e políticas de RH para a filial? Basta listarmos algumas declarações de altos dirigentes aqui no país:

"Aprenda a apanhar hoje, quando você está embaixo. Quando subir na empresa, chegará a hora de você descontar e bater em todo o mundo" (Vice-Presidente de Marketing de uma multinacional do setor de higiene pessoal, em conselho a um subordinado).

"As pessoas precisam sempre ter um chicote por trás. Ninguém gosta de vir trabalhar, até eu preferia estar em casa ao invés de vir aqui. Por isso, vou continuar pressionando vocês" (General Manager de multinacional do setor de HBA, em discurso "motivacional" aos empregados).

"Nheee...nheee...quer dizer que ela está chorando? (risadas)" (VP de Marketing de grande empresa do setor financeiro na frente de sua equipe ao saber que funcionária dispensada em corte estava chorando).

"Não escuto opinião de gerente de produto, você é uma m.... aqui. Só escuto de gerente de grupo para cima" (Latin America Chairman de grande empresa multinacional em reunião com subordinados...aquela que diz respeitar a individualidade).

Na verdade, um fenômeno interessante acontece nestas empresas. Ao criarem suas filiais no Brasil, elas não conseguem ter controle quase que nenhum sobre a cultura da subsidiária. Práticas como autoritarismo, paternalismo, desrespeito à individualidade e medo da hierarquia tomam o lugar da abertura e ambiente de inovação que as matrizes tentam desesperadoramente criar.

Isto ocorre porque os responsáveis pelas políticas mundiais estão muito distantes. Os dirigentes brasileiros, carregados de nosso autoritarismo ibérico, geralmente transformam as filiais em um feudo próprio. Sem dúvida existe a preocupação com os resultados, porque números são mais difíceis de esconder do que a insatisfação da equipe. Relatórios financeiros precisam ser passados mensal ou semanalmente, enquanto uma visita do RH corporativo ou uma pesquisa de satisfação interna ocorre uma vez por ano.

Os empregados também têm culpa. Vindos de uma cultura autoritária como a nossa, eles aprendem rapidamente a se adaptar e fazer o que o chefe quer, ao invés do que seria melhor para a empresa. Aprendem que ficar de boca fechada tem suas recompensas no paternalismo brasileiro, que faz a demissão de alguém "amigo" mais difícil. Aprendem que, quando estiverem por cima, aí farão o que querem.

É interessante imaginar o que diriam os diretores dos comitês de RH nas matrizes se soubessem de 10% do que se passa nas subsidiárias.  

Infelizmente, nossa cultura de trabalho traz vários efeitos negativos:

1) não se espera que a filial da multi seja apenas uma relançadora de produtos mundiais no mercado local, mas sim que desenvolva casos de sucesso a serem repassados a outras subsidiárias. Existe o risco permanente de a filial ter sua produção interrompida e passar a ser uma simples importadora se não se destacar no conjunto de subsidiárias. Um estrutura burocrática, de pouca liberdade para exposição de idéias e discordância com o status quo trabalha contra a inovação.

2) em um ambiente de pouca liberdade, as pessoas não aprendem e não têm iniciativa, porque esperam sempre um sinal verde do chefe para fazer as coisas. Liderança não é só mandar fazer e castigar. É inspirar, motivar e apontar objetivos para que as pessoas corram atrás dos resultados sozinhas. Acima de tudo, liderança se faz dando o exemplo. Como ele não existe, toda a comunidade de negócios sofre, porque menos bons profissionais são preparados para a economia do país.

3) profissionais que serão expatriados terão extrema dificuldade em se adaptar a culturas onde a opinião própria e contestação são valorizadas. Na verdade, quase todos os funcionários de multis têm hoje contatos com estrangeiros. Em reuniões com grupos multi-culturais, não dá para olhar para o chefe para ver o que ele quer que você fale. Espera-se que o funcionário adicione ao debate com opiniões próprias, muitas vezes desenvolvidas no calor do momento. 

4) é criada uma cultura onde só o emprego em grande empresa, com sua política mas com seus benefícios e estabilidade, é valorizado. Entretanto, uma economia moderna precisa de pessoas com espírito empreendedor, que gerem novos produtos e criem novos mercados. Dificilmente uma grande empresa foi a responsável por um mercado novo nas últimas décadas (vide Microsoft, AOL, Yahoo, Dell, todas start-ups que passaram a perna nas grandes). 

5) em um ambiente onde só o chicote funciona, este chicote terá que ser usado a todo tempo, porque a auto-motivação e a iniciativa são destruídas. Os funcionários acostumam-se ao estilo de gerenciamento e procuram por oportunidades para "vingança", através de menos trabalho e descaso. Há pouca motivação para auto-desenvolvimento por haver pouca recompensa. Como ninguém consegue supervisionar a todos a todo o tempo, esse sistema se torna contraproducente. 

Finalmente, é interessante notar que, surpreendentemente, algumas empresas genuinamente brasileiras já compreenderam este problema e estão se destacando por suas políticas modernas de RH, valorizando a inteligência e capacidade dos funcionários. Alguns exemplos são as empresas de Ricardo Semler, que já são destaques no mundo todo, a Magazine Luíza, uma empresa inovadora que se apóia na educação contínua de seus funcionários e até o Habib's, recém descoberto pela mídia de negócios como case de sucesso.

Porque estas empresas conseguiram o que as filiais das grandes multis não conseguem ? Talvez porque o olho do dono esteja por perto, e ele já tenha percebido que uma equipe motivada, com idéias que geram inovação gera melhores resultados. Ou talvez porque o dono não tenha medo que alguém com grandes idéias vá tomar o seu lugar...

 

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