1º. ARTIGO DA SÉRIE "CULTURA EMPRESARIAL BRASILEIRA"
Preste atenção um minuto nestas declarações:
"Definir os mais altos padrões de honestidade, integridade e justiça
ao lidar com nossos parceiros - que incluem nossos clientes,
fornecedores, funcionários e comunidades - continua a ser a essência da
cultura do Wal-Mart" (Rob Walton - Chairman of the Board - WalMart 2004
Annual Report)
"Nós gerenciamos nossa companhia com estrita aderência aos princípios
baseados em fatos, onde cada indivíduo é responsável por suas decisões e
ações" (Ken Lewis - CEO Bank of America - 2003 Annual Report)
"Os resultados de nossa companhia se devem no final ao talento,
dedicação e desempenho extraordinário dos milhares de funcionários da
Exxon Mobil no Mundo todo" (Lee Raymond - CEO - 2003 Annual Report)
"Somos responsáveis pelos nosso funcionários, homens e mulheres que
trabalham conosco em todo o mundo Todos devem ser considerados em sua
individualidade. Devemos respeitar sua dignidade e reconhecer seu
mérito." (Política central de uma grande multinacional - nome ocultado
por razões que ficarão claras abaixo)
É praticamente impossível ler um documento importante de uma grande
multinacional sem nos depararmos com algum tipo de afirmação como as
colocadas acima. É um total consenso que empresas que desejam ter
inovação e motivação em suas equipes necessitam primeiro garantir um
ambiente onde as idéias diferentes sejam respeitadas, onde o funcionário
tenha a oportunidade de expor sua individualidade e onde os objetivos da
empresa venham na frente dos objetivos pessoais de chefes ambiciosos e
inescrupulosos.
Em minha experiência lidando com profissionais de empresas
americanas, posso afirmar que estas diretrizes são, com as devidas
exceções que confirmam a regra, levadas muito a sério nos EUA. A prática
americana é muito menos paternalista que a brasileira, e o perigo do
machado do corte de pessoal está sempre presente. Porém, enquanto o
funcionário está no time, ele é encorajado a dar sua opinião e é
respeitado em sua individualidade. Sua avaliação é baseada nos
resultados que traz para a empresa, e não em seu "estilo".
Porém, o que acontece quando estas mesmíssimas empresas abrem uma
filial no Brasil? Até que ponto conseguem trazer suas diretrizes e
políticas de RH para a filial? Basta listarmos algumas declarações de
altos dirigentes aqui no país:
"Aprenda a apanhar hoje, quando você está embaixo. Quando subir na
empresa, chegará a hora de você descontar e bater em todo o mundo"
(Vice-Presidente de Marketing de uma multinacional do setor de higiene
pessoal, em conselho a um subordinado).
"As pessoas precisam sempre ter um chicote por trás. Ninguém gosta de
vir trabalhar, até eu preferia estar em casa ao invés de vir aqui. Por
isso, vou continuar pressionando vocês" (General Manager de
multinacional do setor de HBA, em discurso "motivacional" aos
empregados).
"Nheee...nheee...quer dizer que ela está chorando? (risadas)" (VP de
Marketing de grande empresa do setor financeiro na frente de sua equipe
ao saber que funcionária dispensada em corte estava chorando).
"Não escuto opinião de gerente de produto, você é uma m.... aqui. Só
escuto de gerente de grupo para cima" (Latin America Chairman de grande
empresa multinacional em reunião com subordinados...aquela que diz
respeitar a individualidade).
Na verdade, um fenômeno interessante acontece nestas empresas. Ao
criarem suas filiais no Brasil, elas não conseguem ter controle quase
que nenhum sobre a cultura da subsidiária. Práticas como autoritarismo,
paternalismo, desrespeito à individualidade e medo da hierarquia tomam o
lugar da abertura e ambiente de inovação que as matrizes tentam
desesperadoramente criar.
Isto ocorre porque os responsáveis pelas políticas mundiais estão
muito distantes. Os dirigentes brasileiros, carregados de nosso
autoritarismo ibérico, geralmente transformam as filiais em um feudo
próprio. Sem dúvida existe a preocupação com os resultados, porque
números são mais difíceis de esconder do que a insatisfação da equipe.
Relatórios financeiros precisam ser passados mensal ou semanalmente,
enquanto uma visita do RH corporativo ou uma pesquisa de satisfação
interna ocorre uma vez por ano.
Os empregados também têm culpa. Vindos de uma cultura autoritária
como a nossa, eles aprendem rapidamente a se adaptar e fazer o que o
chefe quer, ao invés do que seria melhor para a empresa. Aprendem que
ficar de boca fechada tem suas recompensas no paternalismo brasileiro,
que faz a demissão de alguém "amigo" mais difícil. Aprendem que, quando
estiverem por cima, aí farão o que querem.
É interessante imaginar o que diriam os diretores dos comitês de RH
nas matrizes se soubessem de 10% do que se passa nas subsidiárias.
Infelizmente, nossa cultura de trabalho traz vários efeitos
negativos:
1) não se espera que a filial da multi seja apenas uma relançadora de
produtos mundiais no mercado local, mas sim que desenvolva casos de
sucesso a serem repassados a outras subsidiárias. Existe o risco
permanente de a filial ter sua produção interrompida e passar a ser uma
simples importadora se não se destacar no conjunto de subsidiárias. Um
estrutura burocrática, de pouca liberdade para exposição de idéias e
discordância com o status quo trabalha contra a inovação.
2) em um ambiente de pouca liberdade, as pessoas não aprendem e não
têm iniciativa, porque esperam sempre um sinal verde do chefe para fazer
as coisas. Liderança não é só mandar fazer e castigar. É inspirar,
motivar e apontar objetivos para que as pessoas corram atrás dos
resultados sozinhas. Acima de tudo, liderança se faz dando o exemplo.
Como ele não existe, toda a comunidade de negócios sofre, porque menos
bons profissionais são preparados para a economia do país.
3) profissionais que serão expatriados terão extrema dificuldade em
se adaptar a culturas onde a opinião própria e contestação são
valorizadas. Na verdade, quase todos os funcionários de multis têm hoje
contatos com estrangeiros. Em reuniões com grupos multi-culturais, não
dá para olhar para o chefe para ver o que ele quer que você fale.
Espera-se que o funcionário adicione ao debate com opiniões próprias,
muitas vezes desenvolvidas no calor do momento.
4) é criada uma cultura onde só o emprego em grande empresa, com sua
política mas com seus benefícios e estabilidade, é valorizado.
Entretanto, uma economia moderna precisa de pessoas com espírito
empreendedor, que gerem novos produtos e criem novos mercados.
Dificilmente uma grande empresa foi a responsável por um mercado novo
nas últimas décadas (vide Microsoft, AOL, Yahoo, Dell, todas start-ups
que passaram a perna nas grandes).
5) em um ambiente onde só o chicote funciona, este chicote terá que
ser usado a todo tempo, porque a auto-motivação e a iniciativa são
destruídas. Os funcionários acostumam-se ao estilo de gerenciamento e
procuram por oportunidades para "vingança", através de menos trabalho e
descaso. Há pouca motivação para auto-desenvolvimento por haver pouca
recompensa. Como ninguém consegue supervisionar a todos a todo o tempo,
esse sistema se torna contraproducente.
Finalmente, é interessante notar que, surpreendentemente, algumas
empresas genuinamente brasileiras já compreenderam este problema e estão
se destacando por suas políticas modernas de RH, valorizando a
inteligência e capacidade dos funcionários. Alguns exemplos são as
empresas de Ricardo Semler, que já são destaques no mundo todo, a
Magazine Luíza, uma empresa inovadora que se apóia na educação contínua
de seus funcionários e até o Habib's, recém descoberto pela mídia de
negócios como case de sucesso.
Porque estas empresas conseguiram o que as filiais das grandes multis
não conseguem ? Talvez porque o olho do dono esteja por perto, e ele já
tenha percebido que uma equipe motivada, com idéias que geram inovação
gera melhores resultados. Ou talvez porque o dono não tenha medo que
alguém com grandes idéias vá tomar o seu lugar...
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