Feito Prá Quebrar - A Queda na
Qualidade
Marcos Dutra
Quem
tem filho pequeno já deve ter visto o novo filme animado “Robots”. A
história é
bem interessante: um jovem robô inventor com sonhos de ajudar a humanidade (ou
seria robolândia?) compra briga com um CEO marketeiro que se apossou da maior
fábrica de peças de reposiçao de Robot City. O plano do marketeiro é de parar de
fabricar as peças, mais baratas e acessíveis, para vender apenas upgrades,
ou “armaduras” completas bem bonitas e caras, mas que tirariam os robôs mais
pobres ou velhos de circulaçao. Marketeiro sempre é malvado.
O engraçado é que o filme reflete muito do
que está acontecendo na realidade. Que o diga quem precisa comprar uma bomba de
combustível inteira para o carro, porque não dá mais para consertar como
antigamente. Agora ela é lacrada e feita para jogar fora. Na verdade, um estudo
recente da Consumer Reports mostra que os americanos aceitam esta
estratégia, já que não se dão ao trabalho de mandar consertar produtos de menos
de 100 dólares que quebram. No começo dos anos 90, esse valor era de 30 dólares.
Dois fatores econômicos são os principais
responsáveis por essa transformação. O primeiro é a China, que mostrou ao mundo
que pode se deixar a qualidade meio de lado se você conseguir cortar os custos o
suficiente. O segundo é a influência do varejo tipo WalMart nos EUA(e Rua 25 de
Março em Sao Paulo), que com suas táticas de negociação dura conseguem oferecer
produtos a preços nunca antes vistos. Um terceiro fator é cultural: a falta de
tempo e a correria do mundo moderno. É mais rápido comprar outro produto que
mandar consertar.
Esse movimento é oposto ao que foi visto
quando o grande concorrente das empresas ocidentais era o Japão. Quem não se
lembra da TQM (total qualidade management), Six Sigma e tantas outras siglas que
inundavam a administração nos anos 80? A única maneira de combater a excelência
japonesa era conseguir igualar sua qualidade. Mas até que ponto dá para
aperfeiçoar uma torradeira? As pressões de Wall Street por lucros rápidos também
têm lá sua responsabilidade por forçar as empresas a colocar produtos para fora
da porta o mais rápido possível, com um preço que dê para combater os chineses.
E como o consumidor deixa, é muita tentação. Mas quais serão as consequências
na imagem de marca a longo prazo?
Mas será mesmo que os produtos estão
ficando piores? Afinal, hoje é bem mais difícil um pneu furar do que dez anos
atrás. Alguns carros fazem a primeira revisão só aos 40 mil quilômetros. Porém é
preciso se diferenciar entre maior tecnologia e maior qualidade. O pneu dura
mais porque seu processo de fabricação e seus materiais são mais avançados
tecnologicamente, e não necessariamente porque são feitos com maior cuidado. Uma
prova disso são os botões que caem do painel dos carros e as peças que já vêm
com defeito da fábrica, mesmo em carros modernos. Talvez as empresas achem que a
tecnologia compense a falta de capricho e por isso acabam trocando aquela peça
que era de metal por uma de plástico que quebra logo depois da garantia acabar,
ou colando a peça ao invés de parafusar.
Porém, existe evidência que a qualidade vem
mesmo caindo. A Sociedade Americana de Qualidade tem um índice que mede a
satisfação dos consumidores, e ele diminui ano após ano. A HP teve uma queda de
9% em relaçao a 1994 e até a GE, com seus faixas preta do Six Sigma, caiu 2,5%.
*
Um estudo do consultor americano Greg Brue
mostra que a maioria dos produtos tem desempenho semelhante no primeiro ano. Ou
seja, não quebram. A diferença entre as empresas mais ou menos cuidadosas
aparece depois que a garantia acaba (e você achava que era só sua imaginação).
Os efeitos sobre preferência e lealdade de marca, porém, só aparecem depois de
cinco anos, quando o consumidor cansado de ver o produto quebrar, vai procurar
outro fabricante. Mas aí o presidente da empresa já é outro e o bônus já foi
ganho.
Um exemplo bem perto de casa foi a recente
transformação de uma categoria inteira (o requeijao cremoso), que passou a usar
gordura vegetal no lugar do leite. Note bem que na embalagem agora diz
“especialidade láctea”. Virou na verdade uma margarina disfarçada, como já é há
muito tempo o sorvete brasileiro. O sorvete que se chama premium, ou italiano,
só é bom daquele jeito porque é feito com leite !
Valerá a pena insistir na qualidade a longo
prazo? Parece existir uma luz no fim do túnel. Uma das poucas empresas que
tiveram um crescimento no índice de satisfação de qualidade foi a Apple. Repare
na qualidade dos materiais e acabamento dos produtos deles e entenda porque as
vendas da Apple só sobem.
Para finalizar: sim, o robô inventor
derrota o marketeiro mau e as peças de reposição voltam a serem feitas. Mas isso
você já sabia, porque afinal no cinema é assim mesmo, só tem final feliz.
* "Beware
The Product Death Cycle", de Art Kleiner