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André Veloso é Gerente de Consultoria da América Latina da Peppers & Rogers Group

andre.veloso@1to1.com

Maio 2005


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Seguindo a Moda

André Veloso


Ser profissional de marketing e comunicação nos últimos anos não é uma tarefa fácil. Até poucas décadas atrás bastava ao profissional dominar os famosos "4P's", lembrar algo sobre competição que marcara em amarelo nos livros de Michal Porter e colocar em prática aquilo que aprendia nos livros de Philip Kotler.

Aos poucos, outros Ps, matrizes e teorias foram chegando e ocupando seu espaço, tornando o que era uma profissão  iniciante em um mar de conceitos e linhas de pensamento que se embaralharam até que puderam encher o peito e se dizer, orgulhosamente, uma CIÊNCIA.

Não me entenda mal: estudei marketing, trabalho com isso há mais de 15 anos, mas acho que tudo deve ser enxergado dentro da perspectiva correta; e, enquanto uns defendem que Marketing é ciência e outros defendem que marketing é arte, eu acredito simplesmente que ele é mais um produto.

Pode ser que você, leitor do Pensando Marketing, discorde. Mas me dê alguns parágrafos de crédito e vamos ver se chegamos a um acordo.

Recorro ao dicionário Houaiss para me ajudar nesta discussão, e lá encontro a seguinte definição:

Ciência - conhecimento atento e aprofundado de alguma coisa; processo racional utilizado pelo homem para se relacionar com a natureza e obter resultados que lhe sejam úteis...conhecimento que, em constante interrogação de seu método procura obedecer a princípios válidos e rigorosos almejando coerência e sistematicidade

Entre as várias definições que já encontrei de marketing, em livros, artigos e palestras, muito poucas poderiam levara conclusão de que ele é uma ciência no sentido clássico da expressão, mas se havia alguma dúvida, o dicionário resolve: profissionais de marketing tem muitas qualidades e competência, mas quantos você conhece que estão "em constante interrogação de seu método", ou buscam "resultados que lhe sejam úteis para se relacionar com  natureza"? Ainda que aceitássemos a primeira frase, a verdade é que conhecemos e sabemos muito pouco sobre a comunicação entre povos, pessoas, marcas e indivíduos - ou teríamos evoluído como outras ciências, e não repetiríamos as mesmas discussões de 50 anos atrás - global ou local? Aquisição de clientes ou manutenção? Venda ou serviço?

Eliminada a idéia de que marketing é ciência, resta avaliar se ele seria uma arte. Mais uma vez, recorramos ao dicionário:

Arte - Habilidade ou disposição dirigida para a execução de uma finalidade prática ou teórica, realizada de forma consciente, controlada e racional. Oposto à ciência ( "conhecimento não aplicado")

Confesso que discordar de definição tão ampla é mais difícil. Ainda assim, o exercício é interessante, porque os publicitários argumentam que fazer arte pela "liberdade de expressão, pela criação, pela inovação" daquilo que criam. Se concordarmos, bastaria olhar o parágrafo anterior para ver que na verdade é chamada arte uma aplicação "consciente, controlada e racional" do conhecimento - palavras que causam arrepios nos defensores da publicidade e do marketing como arte, pois preferem se imaginar sem controle, sem limites, com liberdade plena. E assim, a contradição entre a definição e a defesa se encarrega de eliminara idéia de que marketing é arte. 

Assim, voltamos ao ponto de partida: marketing não é ciência, não é arte. É produto - e autofagista, já que se alimenta de sua própria criação para crescer e se espalhar. A verdade é que Marketing é a versão engravatada do mercado da moda. Mesmo que você ache que agora a teoria passou do ponto, acompanhe alguns exemplos:

* Os dois mercados não cansam de lançar, ano a ano, novas verdades e estilos - que esperam que o mundo todo siga, para bem de seus negócios.

* As empresas de mais sucesso nas duas áreas são aquelas que "antecipam tendências" - ou, se preferir, cujo esforço de comunicação as torna referência para as empresas menores do segmento ao redor do mundo.

* Os grandes nomes são cultuados, abrem empresas com seu nome na porta, que são depois vendidas para um grande grupo empresarial global sem personalidade - que de tempos em tempos recorrerá a um novo "gênio criativo"para tentar reerguer o negócio

* De tempos em tempos, as pequenas empresas se tornam a referência. Porque "se concentram em poucos clientes", "criam peças/conceitos únicos". Até que usando esta fama crescem, seus fundadores colocam o nome na porta, são depois vendidas a um grande grupo... (pequenas agências que agora querem ser reconhecidas como "butiques criativas", veja que coincidência...)

* A criatividade de verdade aparece onde precisa ser vista - seja nos desfiles, seja nas peças para festivais - mas não esta exatamente a serviço da praticidade e do resultado.

Os exemplos poderiam seguir por páginas e páginas, mas acho que estes são suficientes para provocar a discussão necessária: estamos, como as grandes semanas de moda, fazendo muito barulho sem rumo porque todos querem mais espaço nas páginas de revistas de negócios - e criar novas tendências é uma forma de aparecer ? Criamos "peças" práticas e que nossos clientes possam utilizar ou estamos fazendo "desfiles de alta costura" que enfeitarão as vitrines sem que ninguém pense em usar aquelas criações?

Como em qualquer área, convivemos com profissionais de maior qualidade e outros sem tanta competência; mas hoje em dia somos inundados por publicações, artigos e conceitos que se contrapõem e se substituem com imensa rapidez - sem que, muitas vezes, seja possível pensar em seus resultados ou em sua efetividade. Talvez você termine de ler este artigo e pense que tudo não passa de uma provocação barata para conseguir sua atenção - mas eu prefiro correr o risco a ficar boiando na calmaria, e colocar no centro da mesa a discussão correta: não se somos arte ou ciência, mas se estamos, como pregamos,  desenvolvendo nosso produto a partir da necessidade dos nossos clientes e não dos nossos próprios sonhos.

 

 
  © Copyright 2005 - Marcos Dutra