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Heleni Passos

Bacharel em comunicação social - habilitação em propaganda e publicidade, formada em julho de 1989. Hoje  é diretora de planejamento da Salem, onde está desde setembro de 2000. Contato: heleni@salem.com.br

Junho 2005


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A Privacidade de Sua Vida Está Sob Seu Controle?

Heleni Passos


Segundo o dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, privacidade é um substantivo feminino e representa a vida particular de uma pessoa. Trata-se de anglicismo de empréstimo recente na língua (talvez década de 1970), sugerindo-se em seu lugar o uso de intimidade, liberdade pessoal, vida íntima, sossego. Tem ainda como sinônimos as palavras intimidade, particularidade, pessoalidade, privatividade.

Uma palavra aparentemente de significado claro e objetivo, no dia-a-dia observa-se um emprego contraditório e subjetivo: copiando o comportamento de outro substantivo feminino, a mulher, que tem múltiplas faces (mãe, filha, amiga, executiva, amante, etc.), a privacidade coloca suas “garras para fora” e mostra também suas várias facetas: o que é privativo no relacionamento com seu namorado é escancarado no Orkut; a opinião particular no trabalho é bandeira de seu blog, e os problemas pessoais ocultos viram tema no Programa do Ratinho na Tv. Subir sozinho no elevador do edifício onde trabalha não será mais o mesmo de 20 anos atrás: hoje tem uma câmera vigiando os todos, para garantir segurança contra possíveis assaltos e outros tipos de violência.

E o que isto significa para a sociedade? Estamos perdendo a nossa intimidade? O BBB (Big Brother Brasil) é o grande ícone da vida particular “escancarada”? Seremos sempre localizados pela tecnologia GPS do celular, até mesmo quando nos escondemos debaixo da cama?  As empresas adivinharão tudo o que me interessa pela leitura dos cookies de minha navegação pela internet? Viveremos na sociedade onde até o pensamento será público?

Antes de buscar respostas para estas perguntas, temos ainda uma pergunta anterior a responder: o que são os Direitos Humanos?

Precisamos ter em mente que “todas as pessoas possuem direitos simplesmente pelo fato de serem seres humanos”, segundo as Nações Unidas. E esses direitos prescrevem que “todos os seres humanos são iguais e podem escolher o que querem  ser, fazer ou ter sem que isto prejudique a outro ser humano.” E dentro desse princípio básico, ainda encontramos mais especificamente o Direito à Privacidade e o Direito à Liberdade de Pensamento e Expressão. Aparentemente complementares, dependendo do contexto onde são empregados encontramos situações conflitantes. Veja o episódio da reportagem do jornal New York Times sobre o Presidente Lula, publicada em 09/05/ 2004: “Hábito de beber de líder brasileiro vira preocupação nacional”, (o título). A matéria aborda não apenas a vida pessoal do nosso Presidente, como também de sua família, mencionando seu pai: “O Sr. da Silva nasceu em uma família pobre em um dos Estados mais pobres do País e passou anos como líder de sindicato, um ambiente conhecido pelo uso de álcool. Seu pai Aristides, que ele pouco conheceu e que morreu em 1978, era um alcoólatra que abusava de seus filhos”.

Vamos abster-nos de qualquer opinião política ou partidária e isolar o fato sob a ótica do direito à privacidade: é óbvio que o jornalista tem toda a liberdade de falar o que pensa usando do direito de pensamento e expressão, mas também o presidente Lula tem ao direito de manter sua vida particular em sigilo. Não apenas pensando na repercussão social e política da matéria em si, mas também considerando o Presidente como ser humano, ele tem pleno direito de não ter sua vida pessoal publicada em um jornal.

E da mesma maneira como ocorreu com o Presidente Lula, há anos vem ocorrendo com os “famosos”. Os paparazzi (já no plural em italiano)  invadem a privacidade dos famosos há no mínimo 30 anos de forma comercial e agressiva.Temos como maior ícone deste tipo de agressão a morte da Lady Di que se recusou pela última vez ver sua vida devassada pela mídia. 

Agora, falta de privacidade começa a descer do pedestal das celebridades para vida do cidadão comum. Somos espiados como consumidores no ponto de venda pelas empresas que usam avançadas técnicas de pesquisa, ou vigiados enquanto funcionários na empresa onde trabalha através da tecnologia, temos nossa vida pessoal mais exposta. E daí a reflexão:

§         O que deve ou não ser privativo?

§         Até onde quero que uma empresa vasculhe os meus “interesses” pessoais para oferecer produtos?

§         Uma empresa deve monitorar o trabalho de um funcionário e um governo poderá um dia ter o direito de “ler o que está no computador de um contribuinte ao enviar seu imposto de renda”?

Assim, não há como negar que a privacidade está em processo de reformulação, assumindo diferentes variações de interpretação. E também não há como negar que, num processo sem volta, estamos TODOS perdendo parte do que antes era 100% “problema particular”. O que se questiona não é a liberdade de expressão ou a complacência das pessoas em abrir parcelas de intimidade, mas a sensação de que estamos sempre sendo fiscalizados. O direito à privacidade e intimidade não dizem apenas respeito à vida interior do indivíduo, mas também o seu domicílio, hábitos de consumo, dados pessoais, saúde física, dados da família, opiniões e atitudes. E a tecnologia, principalmente a internet, veio justamente abrir e tonar público o que antes era particular com as mais diversas razões. O que vemos hoje é o uso da nossa informação para fins não previstos e principalmente não autorizados. Eis aqui a questão principal deste artigo.

Pode-se dizer que para ter privacidade é preciso duas coisas básicas:

1.        ter controle sobre as informações que existem sobre si mesma 

2.        controlar a forma de uso destas informações

E é justamente estes 2 itens que estão saindo das mãos das pessoas e caindo no domínio público. Antevendo esta situação, George Orwell em seu livro 1984  já sabia (escreveu em 1948) que o poder seria de quem controlasse a informação sobre tudo e todos. No livro, tudo era público e não havia privacidade, pois a vida dos cidadãos estava totalmente controlada pelo estado.

Orwell colocou a informação como um bem precioso para as empresas, governos e humanidade. E não apenas a informação “profissional” mas também a privativa. E o tempo confirmou sua visão de que vivemos na sociedade da informação: compra-se a informação de um eletrodoméstico, para depois recebê-lo fisicamente em casa; faz-se pagamentos com informação sem precisar sequer ter uma moeda em mãos,  paga-se fortuna por pesquisas e dados de consumidores sem ver seus rostos, produtos são oferecidos ao consumidores por email sem que ele tenha dito que apreciava aquele tipo.

E qual a conclusão? Não há como negar que a Internet trouxe à tona o processo de reformulação do significado privacidade. Entretanto precisamos todos negar que nossas vidas sejam escancaradas por todos os meios e que a Internet seja a ferramenta facilitadora disto.

Para minimizar os efeitos agressivos da captura de dados dos internautas, muitas empresas elaboram e divulgam uma política de privacidade, procurando garantir segurança às pessoas. E ainda deste modo, não será suficiente para assegurar total sigilo, nem mesmo que as empresas usem o “permission marketing” do Seth Godin.

As ameaças são e serão grandes, entretanto não viveremos mais sem a internet, ou sem a tecnologia de videosegurança, ou sem os paparazzi. Também manter o anonimato total na rede é impossível.

Conclusão: cabe à sociedade (nós mesmos) ter consciência do que a privacidade representará nos próximos e exercer seu mecanismo de pressão para que seja regulamentada por lei e principalmente cumprida.

“Big Brother is watching you”

George Orwell, escritor inglês, no livro “1984”

 

 
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