A Privacidade de Sua Vida Está
Sob Seu Controle?
Heleni Passos
Segundo o dicionário Houaiss da
Língua Portuguesa, privacidade é um substantivo
feminino e representa a vida particular de uma
pessoa. Trata-se de anglicismo de empréstimo recente
na língua (talvez década de 1970), sugerindo-se em
seu lugar o uso de intimidade, liberdade
pessoal, vida íntima, sossego. Tem
ainda como sinônimos as palavras intimidade,
particularidade, pessoalidade, privatividade.
Uma palavra aparentemente de significado claro e
objetivo, no dia-a-dia observa-se um emprego
contraditório e subjetivo: copiando o comportamento
de outro substantivo feminino, a mulher, que tem
múltiplas faces (mãe, filha, amiga, executiva,
amante, etc.), a privacidade coloca suas “garras
para fora” e mostra também suas várias facetas: o
que é privativo no relacionamento com seu namorado é
escancarado no Orkut; a opinião particular no
trabalho é bandeira de seu blog, e os problemas
pessoais ocultos viram tema no Programa do Ratinho
na Tv. Subir sozinho no elevador do edifício onde
trabalha não será mais o mesmo de 20 anos atrás:
hoje tem uma câmera vigiando os todos, para
garantir segurança contra possíveis assaltos e
outros tipos de violência.
E o que isto significa
para a sociedade? Estamos perdendo a nossa intimidade? O BBB (Big Brother
Brasil) é o grande ícone da vida particular “escancarada”? Seremos sempre
localizados pela tecnologia GPS do celular, até mesmo quando nos escondemos
debaixo da cama? As empresas adivinharão tudo o que me interessa pela leitura
dos cookies de minha navegação pela internet? Viveremos na sociedade onde
até o pensamento será público?
Antes de buscar respostas
para estas perguntas, temos ainda uma pergunta anterior a responder: o que são
os Direitos Humanos?
Precisamos ter em mente
que “todas as pessoas possuem direitos simplesmente pelo fato de serem seres
humanos”, segundo as Nações Unidas. E esses direitos prescrevem que
“todos os seres humanos são iguais e podem escolher o que querem ser, fazer ou
ter sem que isto prejudique a outro ser humano.” E dentro desse princípio
básico, ainda encontramos mais especificamente o Direito à Privacidade e o
Direito à Liberdade de Pensamento e Expressão. Aparentemente complementares,
dependendo do contexto onde são empregados encontramos situações conflitantes.
Veja o episódio
da reportagem do jornal New York Times sobre o Presidente Lula, publicada
em 09/05/ 2004: “Hábito de beber de líder brasileiro vira preocupação
nacional”, (o título). A matéria aborda não apenas a vida pessoal do nosso
Presidente, como também de sua família, mencionando seu pai: “O Sr. da Silva
nasceu em uma família pobre em um dos Estados mais pobres do País e passou anos
como líder de sindicato, um ambiente conhecido pelo uso de álcool. Seu pai
Aristides, que ele pouco conheceu e que morreu em 1978, era um alcoólatra que
abusava de seus filhos”.
Vamos abster-nos de qualquer opinião política ou partidária e
isolar o fato sob a ótica do direito à privacidade: é óbvio que o jornalista tem
toda a liberdade de falar o que pensa usando do direito de pensamento e
expressão, mas também o presidente Lula tem ao direito de manter sua vida
particular em sigilo. Não apenas pensando na repercussão social e política da
matéria em si, mas também considerando o Presidente como ser humano, ele tem
pleno direito de não ter sua vida pessoal publicada em um jornal.
E da mesma maneira como ocorreu com o Presidente Lula, há anos
vem ocorrendo com os “famosos”.
Os paparazzi (já no plural em italiano) invadem a privacidade dos
famosos há no mínimo 30 anos de forma comercial e agressiva.Temos como maior
ícone deste tipo de agressão a morte da Lady Di que se recusou pela última vez
ver sua vida devassada pela mídia.
Agora, falta de
privacidade começa a descer do pedestal das celebridades para vida do cidadão
comum. Somos espiados como consumidores no ponto de venda pelas empresas que
usam avançadas técnicas de pesquisa, ou vigiados enquanto funcionários na
empresa onde trabalha através da tecnologia, temos nossa vida pessoal mais
exposta. E daí a reflexão:
§
O que deve ou não ser privativo?
§
Até onde quero que uma empresa vasculhe os meus
“interesses” pessoais para oferecer produtos?
§
Uma empresa deve monitorar o trabalho de um
funcionário e um governo poderá um dia ter o direito de “ler o que está no
computador de um contribuinte ao enviar seu imposto de renda”?
Pode-se dizer que para ter privacidade é preciso duas coisas
básicas:
1.
ter controle sobre as informações que existem sobre
si mesma
2.
controlar a forma de uso destas informações
E é justamente estes 2
itens que estão saindo das mãos das pessoas e caindo no domínio público.
Antevendo esta situação, George Orwell em seu livro 1984 já sabia (escreveu em
1948) que o poder seria de quem controlasse a informação sobre tudo e todos. No
livro, tudo era público e não havia privacidade, pois a vida dos cidadãos estava
totalmente controlada pelo estado.
Orwell colocou a
informação como um bem precioso para as empresas, governos e humanidade. E não
apenas a informação “profissional” mas também a privativa. E o tempo confirmou
sua visão de que vivemos na sociedade da informação: compra-se a informação de
um eletrodoméstico, para depois recebê-lo fisicamente em casa; faz-se pagamentos
com informação sem precisar sequer ter uma moeda em mãos, paga-se fortuna por
pesquisas e dados de consumidores sem ver seus rostos, produtos são oferecidos
ao consumidores por email sem que ele tenha dito que apreciava aquele tipo.
E qual a conclusão?
Não
há como negar que a Internet trouxe à tona o processo de reformulação do
significado privacidade. Entretanto precisamos todos negar que nossas vidas
sejam escancaradas por todos os meios e que a Internet seja a ferramenta
facilitadora disto.
Para minimizar os efeitos
agressivos da captura de dados dos internautas, muitas empresas elaboram e
divulgam uma política de privacidade, procurando garantir segurança às pessoas.
E ainda deste modo, não será suficiente para assegurar total sigilo, nem mesmo
que as empresas usem o “permission marketing” do Seth Godin.
As ameaças são e serão grandes, entretanto não viveremos mais sem
a internet, ou sem a tecnologia de videosegurança, ou sem os paparazzi. Também
manter o anonimato total na rede é impossível.
Conclusão: cabe à sociedade (nós mesmos) ter consciência do que a
privacidade representará nos próximos e exercer seu mecanismo de pressão para
que seja regulamentada por lei e principalmente cumprida.
“Big Brother is watching you”
George Orwell, escritor inglês, no livro “1984”