Coaching Executivo: Mito e
Realidade (XI)
Gutemberg de Macedo
Este
artigo é a parte XI de uma excelente série que pode
ser encontrada no site do autor,
www.gutemberg.com.br
"Your living is determined not so much by what life brings to you
as by the attitude you bring to life; not so much by
what happens to you as by the way your mind
looks at what happens .”
John Homer Miller
"Nunca se deve perder tempo lamentando inutilmente o passado ou
se queixando das mudanças que nos causam aborrecimentos,
pois a mudança é a essência da vida .”
Jacques-Anatole François Thibault, romancista e crítico, 1884-1924
Foi Heráclito, filósofo grego, VI século a.C, quem chamou a atenção para a
perene mobilidade de todas as coisas: nada permanece imóvel e nada permanece em
estado de fixidez e estabilidade, mas tudo se move, tudo muda, tudo se
transforma, sem cessar e sem exceção. É este, sem dúvida, o aspecto de sua
doutrina filosófica que se tornou mais célebre ao longo da história.
Heráclito, para
demonstrar essa verdade, valeu-se da imagem do fluir de um rio, em fragmentos
que se tornaram célebres: “De quem desce ao mesmo rio vêm ao encontro águas
sempre novas... Não se pode descer duas vezes ao mesmo rio e não se pode tocar
duas vezes uma substância mortal no mesmo estado, mas por causa da impetuosidade
e da velocidade da mudança, dispersa-se e recolhe-se, vem e vai... Descemos e
não descemos ao mesmo rio, nós mesmos somos e não somos.” (Diels-Kranz, 22 B
12).
O sentido de sua
metáfora é claro: o rio é aparentemente sempre o mesmo, mas na realidade é feito
de águas sempre novas, que se acrescentam e se dispersam; por isso à mesma água
do rio não se pode descer duas vezes, justamente porque, quando se desce a
segunda vez, já é outra a água que se encontra; e porque nós mesmos mudamos; no
momento em que completamos a imersão no rio, tornamo-nos diferentes em relação
ao momento em que nos movemos para mergulhar; como sempre diferentes são as
águas que nos banham; assim, Heráclito pôde dizer, sob o ponto de vista
filosófico, que entramos e não entramos no rio. E pôde também afirmar que somos
e não somos, porque, para sermos o que somos em dado momento, devemos não ser
mais aquilo que éramos no momento precedente, assim como, para continuar a
sermos, devemos logo não ser mais aquilo que somos neste momento. E isso vale,
segundo Heráclito, para todas as coisas, sem exceção.
Nunca na história
das civilizações foi tão verdadeira a observação desse filósofo. Afinal, todos
nós, independentemente de berço, idade, formação, fortuna, posição social ou
hierárquica corporativa, experimentamos, diária e continuamente, mudanças em
nossa vida e carreira – ingresso no mercado de trabalho, casamento, nascimento
de um filho, perda de peso, forçada ou programada, aquisição de casa, promoção a
uma posição ambicionada, volta à faculdade para obtenção de novos conhecimentos,
transferência para outro departamento ou país, chegada inesperada de novo chefe,
mudança de empresa ou de carreira, demissão, entre tantas outras formas de
transição.
Pesquisadores e
estudiosos da transição adulta, à semelhança dos sábios gregos e romanos, têm
demonstrado que a vida segue uma seqüência de estágios ou fases e que, à medida
que os ciclos da vida progridem, nós não apenas nos movemos através de períodos
de desenvolvimento e de transição, mas também somos chamados a gerenciar e a
solucionar, com inteligência e sabedoria, os problemas deles decorrentes. Nosso
sucesso, hoje e no futuro, dependerá em grande parte da maneira como abordamos
as diferentes transições por que passamos ao longo de nossa vida e carreira.
A história humana
é rica em exemplos que apontam para a impermanência de todas as coisas. Dentre
os muitos exemplos, que poderia citar neste trabalho, dois são extremamente
recentes:
O primeiro, vem
da experiência de uma bem-sucedida executiva, Kathleen Ligocki, atualmente CEO –
Chief Executive Officer da Tower Automotive, que no início de sua carreira
profissional desejava ser uma professora de história da China, porém, atualmente
empreende uma carreira executiva: “I wanted to get my master’s and Ph.D. and
live the academic life. Business is something that grew on me. I didn’t know it
was something I would grow up to do. My father was in business for a long time,
but I don’t know what kind of impressions I had of it – but particularly in the
automotive world, I know I wouldn’t have expected to be better. I think when I
was growing up and thinking of things I wanted to do, business would’ve been at
the bottom of the list.” (Peter Han, “Nobodies to Somebodies,” 2005, página 19).
O segundo exemplo
foi descrito no jornal “Valor Econômico” (5 de janeiro de 2005, página D-6,
seção EU & CARREIRA), em matéria de autoria da jornalista Alice Azevedo. Segundo
ela, a advogada carioca Luana Sanches foi surpreendida com a notícia de sua
demissão, logo após voltar da lua-de-mel. Decepcionada, uma vez que tinha planos
ambiciosos para a própria carreira, decidiu mudar completamente o rumo e o
destino de sua carreira: “Prometi que nunca mais passaria por tal situação – a
de saber de uma hora para outra, que não estava mais empregada. Naquele momento
optei por não procurar nova colocação no setor privado e decidi estudar para
fazer um concurso.” Aprovada, dois anos depois, em processo de seleção para
exercer a função de oficial de justiça, ela disse: “Agora posso fazer planos,
estudar até para outros concursos ligados à minha área e tocar a vida sem temer
o fantasma da demissão.”
Ao discorrer
sobre a transição de carreira, tenho em mente a definição proposta por N.K.
Schlossberg, em “Overwhelmed: Coping with Life’s Ups and Down” (1989): mudança
de função ou posição (“roles”), relacionamentos, rotinas e conjecturas
(“assumption”) acerca de mim mesmo ou do mundo ao meu redor:
• Mudança de
função ou papel: |
novas
atribuições e responsabilidades
(promoção e/ou mudança de carreira). |
• Mudança de
relacionamento: |
a conquista
de novo emprego significa mudança de relacionamento com subordinados,
pares, superiores, clientes, fornecedores, credores e, muitas vezes, com
a comunidade. |
• Mudança de
rotina: |
a execução
de novo trabalho ou projeto requer mudanças em rotinas, quer
administrativas quer operacionais. |
• Mudança de
hipótese, Mudança radical de carreira, estilo de vida, conjectura sobre
si mesmo reconhecimento da capacidade e do talento ou sobre o mundo ao
seu pessoal redor: |
Os casos
acima descritos apontam para uma transição que envolve os quatro tipos
de mudanças – de papel, relacionamento, rotina e da hipótese acerca de
si mesmo e do mundo ao seu redor. |
Sabemos, por experiência adquirida na condução de projetos de outplacement,
coaching executivo, career counseling e retirement planning que as mudanças, não
importa sua natureza ou grau de intensidade, afetam os indivíduos de maneira
diferente. Entretanto, o sucesso de uma transição bem conduzida depende em
grande parte do grau de auto-estima, autoconfiança, atitude, perspectiva,
tolerância e preparo para encará-las com coragem e ousadia. A aposentadoria, por
exemplo, pode constituir verdadeiro pesadelo para o profissional que não se
tenha preparado adequadamente para ela. Por outro lado, pode constituir
verdadeiro encanto para aquele que a tiver preparado com sabedoria.
Recentemente,
aconselhei um vice-presidente de importante empresa multinacional européia em
processo de transição de carreira (retirement planning) que ilustra essa
realidade. Confesso que fiquei impressionado com a maneira pela qual ele estava
conduzindo essa fase de transição de vida, em geral difícil de ser assimilada,
com visão otimista, segura, agradável, consciente de suas novas
responsabilidades e, sobretudo, com consciência libertária – vendo-se dono de si
mesmo, do tempo disponível e do próprio destino.
Por outro lado,
tenho aconselhado inúmero outros que encaram a aposentadoria como uma espécie de
funeral ou o apagar definitivo da existência – pessimistas, desmotivados,
confusos, sem saber o que desejam ou que rumo tomar. Prisioneiros do próprio
passado, mostram-se incapazes de olhar o futuro com ousadia e destemor, tais são
os sentimentos negativos que os dominam.
Reconhecemos que
qualquer transição – grande ou pequena – leva tempo para ser assimilada e
eficazmente ajustada a uma nova situação. Richard Edler, autor dos livros “Ah se
eu Soubesse” e “O Significado da Vida,” levou dois anos para se adaptar à
realidade existencial que se seguiu à morte de seu filho e, posteriormente, à
perda do emprego. Luiz Alberto Alvernaz, ex-presidente e CEO da Mercer Recursos
Humanos, levou dois meses aproximadamente para se ajustar à nova realidade
pós-demissão e o fez com grande mestria e sabedoria. Mudou radicalmente a
maneira de encarar a vida, a carreira profissional e o mundo ao redor. Resultado
dessa transição: o surgimento de um homem e de um profissional renovado.
Toda transição
tem três fases: a primeira, segundo afirma, Williams Bridges, no livro
“Transitions: Making Sense of Life’s Changes” (1980), não importa qual seja a
sua natureza ou duração, começa com um“ending” (fim). É o momento em que o
profissional envolvido tem de abdicar do velho, antes de incorporar o novo; a
segunda fase é descrita como “zona neutra” – um período de pensamentos confusos
e indefinidos, “emptiness,” um vazio interior, um período de solidão,
indispensável para o processo de reorientação interior, de renovação, de
construção da autoconfiança, de coragem para olhar para a frente e caminhar e,
acima de tudo, para alcançar o autoconhecimento e entender a própria vida.
Finalmente, a terceira fase: o início da nova vida.
Mas a transição,
como a descrevemos, não obedece a um padrão. Ela varia de pessoa para pessoa e
apresenta variada gama de formatos, dimensões, intensidade e combinações.
Recentemente, aconselhei um executivo que passara por três mudanças abruptas de
vida – a demissão, após 23 anos na mesma empresa, a separação no casamento e a
morte inesperada do pai. Tudo quase que simultaneamente.
Existem três
tipos básicos de transição:
A primeira é a
transição consciente e planejada. A preparação é racional e objetiva. O
profissional a antevê e assume a responsabilidade de empreendê-la com maturidade
emocional e racional para evitar surpresas e sobressaltos.
A segunda, uma
transição forçada, decorrente, em geral, de fatores imprevistos e que, por isso
mesmo, colhe o profissional de surpresa e o encontra despreparado. Os exemplos
incluem: o cônjuge que comunica o fim de um longo casamento, a perda do emprego
depois de carreira estável em uma única empresa, a perda inesperada de um filho
em acidente de automóvel ou de moto. Esses eventos traumatizam, chocam, deixam
qualquer pessoa confusa e insegura e, ao mesmo tempo, a desafiam – é preciso
encontrar uma saída.
Quem quer que tenha lido o livro, “O Monge e o Executivo”, de James Hunter, deve
ter percebido essa realidade. O bem-sucedido executivo, após dezoito anos de
casamento, aparentemente, feliz, foi surpreendido pelo desejo da esposa de se
divorciar.
A terceira
transição, conhecida como “nonevents”, é aquela que se deseja ardentemente, mas
que nunca ocorre. Há um sem-número de exemplos para ilustrá-la: o filho
ansiosamente sonhado, que jamais virá ao mundo por problemas genéticos; a
namorada sensualmente idealizada que existirá apenas na fantasia, a promoção
ambicionada que nunca será efetuada, a sorte grande em qualquer jogo lotérico,
que movimenta milhões de reais e conduz a milhões sonhos que jamais se
transformarão em realidade. Em filosofia, há um termo latino – “futuribile” –
que expressa com clareza essa realidade: aquilo que tem total possibilidade de
existir, mas que nunca vai sair da esfera do possível e realmente existir; nem
mesmo chegará a ser provável; ficará sempre sob o domínio da não-existência.
Muitos outros exemplos poderiam ser citados, mas eles também permanecerão como
um “futuribile”.
Posso ver e
distinguir, com grande clareza, o descortino de todas essas fases na vida de
qualquer pessoa, na de meus clientes, inclusive, em transição de vida e
carreira. E, quando percebo que atingiram a terceira e última fase, vejo uma
nova aurora em sua vida e carreira – os olhos voltam a brilhar; as idéias
tornam-se claras; os pensamentos, positivos e construtivos; as ações, focadas e
firmes; as atitudes, otimistas e corajosas; os relacionamentos, abertos e
enriquecidos; as competências, fortalecidas e reativadas; o autoconhecimento
refeito e aprofundado; a autoconfiança e a auto-estima restabelecidas e
renovadas; as amizades multiplicadas e valorizadas.
Daí porque, a
Gutemberg Consultores, festeja com grande intensidade o renascer de todos os
seus clientes. Costumo comparar esse sentimento à estação da primavera, em
países de clima frio, onde após longo inverno, as flores brotam, o azul do céu
resplandece, as crianças, os jovens, os adultos e os idosos caminham por ruas e
alamedas e começam a povoar floridos parques, de onde se ouve o barulho de motos
e carros sem capota, e onde também a natureza se reveste de nova vida e
esplendor. Tudo é festa. Tudo é alegria. Tudo é motivo para comemoração.
Nesse instante
delicado da vida de milhares de profissionais, a ferramenta de gestão do capital
humano, conhecida como coaching executivo, é de importância vital, uma vez que
poderá ajudar esses mesmos profissionais a fazerem a travessia de vida sem
grandes traumas e prejuízos, tanto no campo pessoal e familiar quanto no
profissional.
Minha posição
se justifica por inúmeras razões:
Primeiro, o
consultor experiente e versátil na condução de projetos dessa natureza, além de
possuir sólida compreensão dos ciclos das mudanças, deve ter sólido e profundo
entendimento de biografias, rituais e ritos de passagens – todos eles
manifestações inequívocas de transição. Conseqüentemente, ele deve ser capaz de
conectar o passado, o presente e o futuro dos indivíduos, restaurando neles o
prazer de viver e de trabalhar. Além disso, deve ser capaz, não necessariamente
de lhes sugerir novos caminhos e desafios, mas de despertar neles a faculdade de
refletir e amadurecer as próprias escolhas e decisões. Ninguém é tão sábio e
poderoso a ponto de decidir por – em lugar de – outra pessoa.
Segundo, o
consultor pode ajudá-los nas várias fases da “ending experience”: disengagement
– ajudando-os a quebrarem as “algemas de ouro” do passado –; disidentification –
a quebra das antigas conecções -; disenchantment – a flutuação entre dois mundos
–; disorientation – o sentimento de orientação perdido.
Terceiro, a
transição é um dos períodos mais ricos da vida e da carreira em aprendizado e,
também, um daqueles raros momentos da vida, em que todos os canhões de luz estão
focados no profissional e no seu futuro.
Quarto, os
profissionais que tiverem a oportunidade de identificar com clareza seu
verdadeiro objetivo de vida, poderão viver uma vida compatível com seus valores,
interesses, filosofia e missão de vida. As palavras de Jack Welck são uma
advertência que merece reflexão: “Quando se trabalha para atender às
necessidades ou realizar os sonhos de outra pessoa sempre se acaba sofrendo as
conseqüências” , ou ainda: “Se um emprego não o fizer vibrar em qualquer nível –
apenas por causa de seu conteúdo – não o aceite.”