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Marcos Dutra é editor do Pensando Marketing e profissional da área com passagem em empresas como Johnson & Johnson, Sadia e Credicard, graduado com distinção no MBA de Thunderbird, nos EUA.

Julho 2005


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Daslu: Um Retrato do Brasil

Marcos Dutra


É engraçado ver como a superficialidade e parcialidade da triste imprensa brasileira fica evidente em casos como o da Daslu. A revista Exame, em matéria da edição de 20 de julho, coloca a Daslu como uma pobre coitada, atacada apenas por vender para ricos. Para dar suporte a esta bobagem, temos a declaração de um consultor (Gustavo Loyola) que diz a maior besteira do mundo: "críticas ao consumo de luxo não têm nenhuma lógica econômica". É claro que têm.

Têm porque no caso do Brasil, o consumo de luxo vive de, e encoraja uma visão de sociedade atrasada. Uma das piores características do brasileiro é sua extrema vaidade, baseada em ostentação de riqueza e não em suas realizações. Sem dúvida existe gente exibida em qualquer lugar, mas compare o executivo americano, que muitas vezes é milionário, andando de camisa pólo comprada no WalMart e comendo no McDonald's, com o político nordestino que defendeu a Daslu na semana passada, usando seu sapatinho de grife comprado na loja.

Desde os tempos coloniais é assim: o brasileiro acha que pode ser um gentleman comprando algo, consumindo, ao invés de investir em seu aprimoramento como pessoa. E a falta de incentivo ao aprimoramento pessoal através da educação e sacrifício próprio (essências do capitalismo protestante) causam atraso econômico, como já provou Max Weber há muito tempo. Isso para não se falar na outra característica das sociedades avançadas, que é o adiamento do consumo imediato para formação de poupança e investimento. A cultura de um povo sempre tem impactos fortes em sua trajetória de desenvolvimento e o fenômeno Daslu-Revista Caras ajuda a reforçar um modelo que é contrário a tudo o que deu certo no mundo até hoje.

Para o americano, o que vale no final é seu legado, o que construiu na sua vida, o nome que deixa. Pode até ser que hoje a Paris Hilton domine a mídia, mas o país foi construído com valores de parcimônia, sacrifício e disciplina. O europeu, por sua vez, vê valor na cultura, na educação ou então é esnobe mesmo e acha que sofisticação é de berço, não se compra (no que tem muito de razão). Mesmo que o americano gaste milhões em um jatinho, ele sabe que a sociedade e ele mesmo julgam o seu sucesso mais por suas realizações do que pela exibição de dinheiro. Não é só aqui que não se gosta de exibição tola de dinheiro: veja como qualquer presidente americano procura ser visto como alguém do povo.

Pessoal, esses caipiras que compram na Daslu realmente têm dinheiro, mas na verdade apresentam comportamento de coronéis de Terceiro Mundo, como o Idi Amin andando de Mercedes último tipo pelas ruas miseráveis de Uganda. A Daslu, para um estrangeiro, é uma coisa ridícula em um país pobre como o nosso e não um motivo de orgulho verde-amarelo. Só a gente e a revista Exame que não vê. O imenso foco que é dado para ela por coisas como a revista Caras faz os jovens desejarem mais uma bolsa de grife que um bom diploma, mais um jeans importado que a descoberta de uma nova vacina. Aqui entra o imediatismo do brasileiro: quando é possível ter reconhecimento imediato e admiração por ter comprado uma blusa na Daslu, para que gastar anos e anos estudando para ajudar a encontrar a cura de uma doença, se ninguém liga mesmo ? Entendeu, Sr. Loyola, como o foco nesse luxo de Terceiro Mundo atrapalha a economia ? Não é importando bugigangas e sonegando impostos que o país vai para a frente, mas com um capitalismo de produção intensiva que empregue muita gente e alavanque a economia, com investimento em pesquisa e reconhecimento para as pessoas que se dedicam a fundo em suas áreas, muitas vezes áreas sem nenhum glamour mas importantes para o país.

O pior é que nem precisava ter acontecido o escândalo da sonegação para vermos a péssima influência da Daslu na sociedade. Mas depois da reportagem  da Exame (quer agora caiu do cavalo), ainda descobrem uma máfia corrupta por trás do sucesso das moças. O editor da revista deve estar batendo a cabeça na parede de arrependimento. Lembrem-se que a loja começou irregularmente, estabelecida em um local proibido na Vila Nova Conceição, atrapalhando a vida de centenas de famílias no bairro. Quantos fiscais da Prefeitura devem ter sido subornados para a loja continuar funcionando todos esses anos naquele bairro residencial ? Dane-se o sossego das pessoas. Na minha opinião, ser chique é respeitar os outros e cumprir as leis.

Logo depois da investigação na Daslu, uma tropa de choque se colocou na defesa das moças que visitavam a delegacia. Afinal, se todo mundo rouba, porque pegar só elas ? Esse sofisma é usado há muito tempo no Brasil, até para se defender o Maluf (lembram?), mas como todo sofisma, é mentiroso. Muita gente não rouba, a maioria da população dá duro e trabalha honestamente. Entre o pessoal que defendeu as moças está o dono do Pão de Açucar, que ao invés de mandar limpar os banheiros sujos do Extra ficou "indignado", e o Antônio Carlos Magalhães, um politico acusado várias vezes de corrupção que "chorou" ao saber da situação.

Muito bem: nesta semana ao passar debaixo do Minhocão (um grande viaduto em São Paulo), podia-se ver várias famílias morando lá. Uma cena chamou a atenção - uma menininha de uns três anos fazendo cocô em um pote de sorvete no meio da calçada. Ao terminar, subiu a calcinha sem se limpar (com o que se limparia?). Esse é o Brasil real que empreendimentos como o da Daslu nunca ajudarão, porque não empregarão o pai dela e porque roubam o imposto que poderia pagar-lhe uma escola. Talvez o senhor ACM pudesse chorar por essa menina, mas como bom clone do Idi Amin que é, seu Mercedes deve ter a janela tão escura que não daria mesmo para ver.



 
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