“Engrandeci-me
e sobrepujei a todos os que viveram antes de mim em
Jerusalém; perseverou também comigo a minha sabedoria. Tudo quanto
desejaram os meus olhos não lhes neguei, nem privei o coração de alegria
alguma, pois eu me alegrava com todas as minhas fadigas, e isso era a
recompensa de todas elas. Considerei todas as obras que fizeram as
minhas mãos, como também o trabalho que eu, com fadigas, havia feito; e
eis que tudo era vaidade e correr atrás do vento, e nenhum proveito havia
debaixo do sol.”
Eclesiastes 1. 9 a 11
Quem quer que se dedique em nossos dias a avaliar, em profundidade, o
acentuado nível de ambição e entusiasmo com que muitos profissionais se
conduzem em sua carreira profissional; o excessivo grau de energia que
utilizam para produzir resultados, algumas vezes, a qualquer preço, e que
os tornem distintos dos demais mortais; os intensos e exaustivos esforços
empreendidos, muitas vezes, com o sacrifício da educação dos filhos, da
construção de lares sadios e da própria saúde física, mental e psicológica;
as diferentes estratégias utilizadas em cada situação e com cada
interlocutor, em grupo ou individualmente, a fim de conquistarem
notoriedade e sucesso em sua carreira, quase sempre acaba por revelar o
inesperado e, também, o indesejável – muitos deles correram ou correm,
apressada e irrefletidamente, atrás do vento.
Esse é um comportamento inegavelmente irresponsável sobre qualquer
ângulo que o avaliemos. Afinal, “o vento sopra onde quer, ouvimos a sua
voz, mas não sabemos donde vem, nem para onde vai,” como explicitou
Cristo, em colóquio com um milionário, Nicodemos, que o questionou,
dizendo: “Como pode um homem nascer, sendo velho? Porventura pode
tornar a entrar no ventre de sua mãe, e nascer?
Inúmeras histórias
colhidas de meu cotidiano, algumas duras e amargas, e
outras, colhidas de minhas leituras e pesquisas diárias, comprovam a
observação, acima feita: HÁ PROFISSIONAIS QUE CORREM
APRESSADAMENTE ATRÁS DO VENTO.”
A primeira, diz
respeito a um irmão – sangue do mesmo sangue, carne da
mesma carne e ossos dos mesmos ossos –, Nuremberg B. de Brito, ex-vice
presidente do Grupo Rede, terceiro maior grupo de energia do país,
responsável por 30% de toda a geração e distribuição de energia elétrica
do país.
Engenheiro
eletricista, formado pela Universidade Federal do Rio Grande
do Norte, pós-graduado em Administração de Empresas pela Fundação
Getúlio Vargas e uma mente privilegiada, principalmente, quando lidava
com números. Foi líder estudantil de esquerda em sua juventude,
perseguido politicamente pelo movimento revolucionário de 1964, preso e
torturado em Centro de Detenção no Recife, Pe., 1969 a 1970.
Naquela ocasião,
eu estava estudando nos Estados Unidos. Meus pais,
pessoas simples e desprovidas de recursos financeiros, em face da
gravidade do ocorrido, chamaram-me às pressas de volta ao Brasil, a fim
de visitá-lo e ajudá-lo no Recife. Afinal, eu era o filho mais velho e
cultivava bons relacionamentos na cidade do Recife, em função de minha
posição como presidente da JUCIAL – Juventude Cristã da América Latina,
filiada ao Concílio Mundial de Igrejas Cristãs, com sede em Genebra, Suíça.
Quando retornei ao
Brasil e fui visitá-lo na prisão, fiquei horrorizado. Ele
estava, literalmente, com o corpo quebrado. Seu corpo de quase 1,90 mt.
estava completamente enfaixado e ele caminhava com grande dificuldade.
Ele se parecia mais com uma múmia do que com um ser humano. As dores
que sofria eram terríveis. Seu corpo estava coberto de hematomas por
toda parte. Entretanto, pior do que a tortura física de que foi vítima,
somente a tortura de natureza psicológica, era maior.
Nuremberg, apesar
de sua infância pobre e das inúmeras privações
experimentadas em sua juventude, empreendeu uma carreira executiva
considerada brilhante – não tinha sobrenome, “padrinho,” ou qualquer
outro recurso. Ele tinha que depender dele mesmo – “self-reliance” – na
sua mais pura concepção.
Ele iniciou sua
carreira profissional, como engenheiro de obras, em Natal,
RN. Em pouco tempo, foi promovido à posição de diretor geral de empresa
de telecomunicações em Manaus, Amazonas. Cinco anos depois, foi
convidado a trabalhar no Rio de Janeiro, como diretor de operações de
grande empresa de construção.
No inicio da
década de oitenta, foi contratado como gerente geral pela
empresa Caiuá de Eletricidade, em Presidente Prudente, interior de São
Paulo, onde fixou residência por alguns anos. Convidado a dirigir a
Companhia Bragantina de Energia Elétrica, aceitou o desafio e transferiu
sua residência para Bragança Paulista, interior de São Paulo.
Com a privatização
do setor elétrico durante o governo do presidente
Fernando Henrique Cardoso, sua carreira começou a ganhar mais
envergadura. Transferiu sua residência para Cuiabá, MT e Belém, PA.
Agora, ele poderia se enquadrar no perfil do que a sociedade e o mundo
executivo consideram como um executivo vitorioso e bem-sucedido. Ele
tinha atingido o topo de sua carreira e construído um razoável patrimônio
econômico-financeiro. Tinha um jato da companhia a sua disposição.
Viajava ao exterior e se hospedava nos melhores hotéis – Índia, China,
Alemanha, Londres, Paris, Portugal, etc. Depois de longos e exaustivos
anos de trabalho, mudança de residência por várias partes do país, ele
merecia uma aposentadoria digna dos grandes executivos.
Entretanto, o
inesperado aconteceu. No dia 6 de janeiro de 2006, com
fortes dores nas costas, foi trazido às pressas à São Paulo e internado no
Hospital Sírio Libanês. Diagnostico: câncer no pulmão. É necessário operalo
imediatamente – ele tinha 2,5 litros d’água em um dos pulmões. A
doença era gravíssima e poderia ceifar sua vida rapidamente – em seis
meses, apenas. Previsão que se confirmou para tristeza de todos os
membros de sua família e amigos. Ele faleceu, no dia primeiro de junho,
conforme previsto por sua junta médica, no inicio do tratamento.
Nuremberg, nunca
perdeu um dia de trabalho ao longo de sua carreira. Era
o primeiro a chegar e o último a sair do escritório. Ao longo de sua
trajetória, sempre demonstrou destemor, coragem, ousadia e
disponibilidade para qualquer tipo de atividade solicitada. Era objetivo,
direto e pontual. E, o mais incrível, ele nunca ficou doente ou sentiu
qualquer tipo de problema que denotasse que seu corpo estava enfermo.
Nenhum sinal havia sido dado.
No afã de defender
os interesses do Grupo em que trabalhou durante 20
anos, não raro, enfrentava e tratava seu acionista mais importante, como
um igual. Esse tipo de comportamento foi reconhecido pelo próprio sócio.
Na missa de sétimo dia, mandada ser celebrada na Igreja do Colégio São
Luiz, em sua homenagem pelo Grupo Rede e em várias outras cidades do
país, Belém, Cuiabá, Presidente Prudente e São Paulo, ouvi de um de seus
acionistas: “Eu gostava demais de seu irmão pela sua franqueza e
dedicação. Era um homem corajoso, humilde e incansável trabalhador”.
Ao acompanhar seu intenso sofrimento, dia-a-dia, durante esse período,
procurei aprender o máximo com suas experiências e observações.
Registrei em meu
caderno de anotações, alguns de seus comentários:
“Gutemberg, meu irmão, minha vida começou a morrer, quando me
aposentei do Grupo Rede”; “Meu irmão, vivi apenas para o trabalho. Não
aprendi a fazer outra coisa. Esqueci de cuidar de mim mesmo. Não tomei
os cuidados devidos”; “Meu irmão, agora que estava pensando em
desfrutar de minha fazenda e viajar mais do que fiz até hoje, eis que sou
vítima de um câncer mortal. Tenho consciência da gravidade de minha
doença. Vou lutar até o fim. Entretanto, acho ser irreversível o desfecho
final dessa doença”. E, nesses momentos, falava: “Eu não vou morrer!”
A bem da verdade,
ele nunca deixou-se abater pela doença, até mesmo,
nos momentos mais críticos e “helpless”. Alguns de seus médicos, como o
Dr. Silvio, Ryad e a Dra. Nise, diziam: “Seu irmão é um homem muito forte
e especial. Ele não se deixa abater, mesmo diante de doença tão grave. A
sua vontade de viver é muito grande”.
A cada visita que
o fazia, religiosamente, no Hospital – todos os dias – uma
ou duas vezes, mais eu pensava sobre a vulnerabilidade e finitude da vida
humana – “correr atrás do vento” – e, também, sobre a importância da
aquisição do verdadeiro e indispensável conhecimento para uma vida livre,
feliz e saudável.
Aí, ao voltar para
meu escritório, procurava conversar com o mais sábio
dentre os sábios, Salomão, rei de Israel. Em nossos diálogos, ele me dizia:
“Melhor é uma mão cheia com descanso do que ambas as mãos cheias
com trabalho e aflição de espírito”; “Todo o trabalho do homem é para a
sua boca, e contudo nunca se satisfaz a sua cobiça”; “O que amar o
dinheiro nunca se fartará de dinheiro; e quem amar a abundância nunca se
fartará da renda; tudo isso é vaidade;” “Sobre tudo o que se deve guardar,
guarda o teu coração, porque dele procedem as saídas da vida;” e, ainda,
“Feliz o homem que acha sabedoria e o homem que adquire
conhecimento; o alongar-se da vida está na sua mão direita, na sua
esquerda, riqueza e honra. O seus caminhos são caminhos deliciosos, e
todas as suas veredas, paz. É árvore de vida para os que a alcançam, e
felizes são todos os que a retêm”.
No dia primeiro de
junho de 2006, ao alvorecer do dia, meu irmão faleceu.
Segurei sua mão esquerda até que o vi respirar pelo derradeiro momento.
Vi-o caminhar em direção a outra dimensão – a eternidade. Então, dei-me
de conta de que tudo o que ele construiu e acumulou, ao longo de sua
vida, estava sendo deixado para traz. Ele não levaria absolutamente nada
na sua última e derradeira viagem. É o destino final de todos os homens e
mulheres.
Ao refletir sobre
sua vida e carreira, lembrei-me do homem que confundiu
sua vida com o seu trabalho e se deu muito mal. E mais, compreendi que
os nossos colegas, principalmente aqueles que concorrem conosco pelas
mesmas posições, não nos admiram por sermos grandes pais, bons donos
de casa, grandes companheiros, bons amigos ou até mesmo, bons
cidadãos.
Como escreveu,
Jonathon Lazear, agente literário norte-americano, “A
única maneira de se tornar o macho líder do bando é ultrapassar os outros
concorrentes a este lugar. Trabalhar mais duro, por mais tempo, e
produzir. É uma competição. É um esporte. É desumano.
Uma vez que provamos do status, é difícil voltar atrás. Dinheiro e status
deixam tudo tão claro. Nós sabemos o quanto uma Mercedes custa, e
sabemos que as outras pessoas também o sabem. Símbolos de status se
tornam um rascunho de nossa auto-estima. Nós só precisamos olhar para
a marca na grade do carro para saber qual é nosso valor. Fim de
conversa”.
Infelizmente, o
que acontece com a maioria dos profissionais obcecados
com o sucesso profissional, qualquer que seja o preço a ser pago, é que
eles caminham indiferentes a tudo e a todos, como se a vida pessoal
pudesse ser resumida apenas ao trabalho, a acumulação de bens, poder,
status, prestígio, reconhecimento e fama. Quando isso ocorre, eles, na
maioria das vezes, se tornam soberbos, egoístas, vaidosos e impenetráveis
em sua maneira de pensar. São verdadeiras pedras. Daí, a observação,
“apresente-me um herói e eu escreverei uma tragédia.”
Além disso, eles
não compreendem que estão perdendo o melhor da vida
– as amizades verdadeiras, o crescimento de um filho ou de uma filha, o
sucesso de um filho na faculdade ou no novo emprego, o carinho e o amor
demonstrados pelo cônjuge ao recebê-lo (a) após longo e exaustivo dia de
trabalho, a proteção proporcionada por uma vida unida em família, a
beleza de um lar alegre, feliz e motivador, a solidariedade no momento das
dificuldades e dos infortúnios, uma palavra amiga dada nos momentos
críticos da carreira, o nascer do sol no horizonte, a lua cheia no céu, o
perfume das flores, o movimento das marés, o cântico dos pássaros, a
leitura de um poema, a observação do arco-íris no céu, o banhar-se nas
águas de um riacho ou sob uma cascata, entre outras coisas importantes
da vida e cruciais à paz interior.
Sim, todas essas
coisas são por demais importantes. Elas jamais deveriam
ser esquecidas ao longo da vida. Tenho visto que, muitas vezes, somente
descobrimos o valor das “pequenas coisas” quando é tarde demais e não
temos mais tempo para usufruí-las. Aí, intelectualmente, lembramos das
palavras do poeta Luis Borges, quando escreveu:
“Se eu pudesse
viver novamente a minha
Vida, na próxima trataria de cometer mais erros.
Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais.
Seria mais tolo ainda do que tenho sido, na
verdade bem poucas coisas levaria a sério...”
Meu caro leitor, o
sucesso que verdadeiramente conta e do qual nunca terá
arrependimentos, como observou Paul Pearsall, Ph.D., renomado
psiconeuroimunologista norte-americano, é aquele que acontece, “não
porque você conquistou algo que lhe fez sobressair. Ele acontece porque
você viveu de forma a poder fácil e alegremente se integrar com todos os
outros. Ele acontece quando as mesmas pessoas que aplaudem as suas
conquistas extraordinárias conseguem distinguir quem você é do que você
fez e vê-lo como um deles, e não como uma estrela separada de todos os
demais. Ele acontece quando você consegue se sentir totalmente
absorvido em um jantar em família sem escutar sussurros sobre o quanto
você é maravilhoso em seu trabalho ou carreira. Ele acontece quando você
não tem que suportar a falta de sensibilidade não-intencional daqueles que
diminuem ou explicam suas conquistas como fruto da boa sorte.”
Eu acrescentaria,
ainda, as suas observações: você pode se considerar um
profissional bem-sucedido, quando as pessoas não precisarem dizer que
você chegou ao topo de sua carreira porque você simplesmente as
enganou; você não pisoteou e humilhou uma quantidade enorme de
companheiros de trabalho, a fim de subir na escada corporativa; você não
fez seus filhos e esposa derramarem lágrimas e experimentarem dores e
sofrimentos, porque você os abandonou, apesar de residirem sob o mesmo
teto; você pode, ainda, se considerar bem-sucedido, se você não precisou
ouvir que você mentiu, roubou, maquiou dados, castrou os sonhos de
outras pessoas e, além disso, não permitiu que elas florescessem.
O testemunho de
Matt Biondi, “Olympic Gold Medalist”, fortalece minha
argumentação. Eis o seu próprio testemunho: “Eu nunca fui tão infeliz
como no momento quando finalmente atingi o nível de sucesso para o qual
devotei toda minha para alcançá-lo. Eu havia me tornado o segundo
nadador na história a ganhar sete medalhas em uma Olimpíada. Eu havia
ganhado um total de onze medalhas em três Olimpíadas, sendo oito delas
de ouro. Entretanto, eu percebia que a cada vez que uma medalha
olímpica era colocada em meu pescoço, um pensamento estranho passava
em minha cabeça: que o sucesso como eu o tinha concebido durante toda
minha vida era uma ilusão. Em meu novo papel de herói olímpico, minha
vida se tornara mais complicada, confusa, e menos “minha”. Como ocorre
com a maioria das pessoas em nossa cultura moderna, eu acreditara que o
esforço para atingir o maior patamar de sucesso pessoal mudaria tudo em
minha vida para melhor. Eu persegui o sucesso porque, como muitos
outros, eu assumi que ele de alguma maneira me faria superior aos outros
e que eu estaria no topo do mundo. Mas, com o sucesso que eu tanto
desejara veio a compreensão que estar no topo do mundo me fez sentir
que eu não era mais parte do mundo real – na verdade, eu me sentia
perdido nele”.
Agora, peço que
pare por alguns instantes e responda às seguintes
perguntas:
- Qual é o
propósito maior de sua vida e carreira?
- Você confunde sua vida com a sua carreira?
- O que você julga ser um profissional bem-sucedido?
- Que pessoas você tem como modelo de sucesso?
- Que padrão de sucesso você utiliza para aferir o seu próprio sucesso
profissional?
- Qual música você gostaria que seu coração cantasse? Você tem
alguma música em especial?
- Se você descobrisse agora que está gravemente doente, à
semelhança de meu irmão ou de uma pessoa de seu relacionamento
mais próximo, o que tentaria fazer de diferente?
- Se você sabe o que tem de fazer, não acha que deveria fazê-lo agora
que tem saúde e disposição?
- Por que você abusa tanto de seu corpo e mente?
- Que mecanismos de auto-proteção, você tem criado para si mesmo,
a fim de se proteger da toxicidade de seu ambiente de trabalho?
- Até que ponto, esses mesmos mecanismos, têm sido suficientes para
protegê-lo contra o estresse e as intempéries da vida moderna?
- Você verdadeiramente valoriza a sua vida?
É preciso muita
coragem para viver. Você tem uma escolha. Ignorar a sua
vulnerabilidade e reconhecer sua finitude como um ser humano;
acovardar-se diante da perda de suas raízes, reavaliar seus conceitos por
mais arraigados e cristalizados que possam ser ou mudar radicalmente seu
estilo de vida. Para um cego, alerta um velho ditado, “todas as coisas
ocorrem subitamente.”
(Continuarei a
discussão deste mesmo assunto no próximo artigo).