Marcos Dutra, MBA - Editor     

   

Como Nasce Um Mercado: Música Digital

Por Marcos Dutra    

   

       
     Imprimir

Marcos Dutra é editor do Pensando Marketing e profissional da área com passagem em empresas como Johnson & Johnson, Sadia e Credicard.

 

 

Conta a história que o grande matemático Karl Gauss, quando menino na escola, já mostrava seu talento precoce. O professor, provavelmente querendo ganhar um tempinho para comer uma weisswurst, pediu aos alunos que calculassem a soma dos números de 1 a 100. Você ou eu provavelmente contaríamos assim: 1 mais 2, 3; mais 3, 6; mais 4, 10; e assim por diante até 100. Mas o pequeno Karl teve um "estalo" e percebeu que a soma dos números nas extremidades do intervalo era sempre igual:

1 + 100 = 101; 2 + 99= 101; 3 + 98 = 101; etc.  

1

-------------------------

100

= 101

2

-----------------

99

= 101

3

-----------

98

= 101

 

Etc...

 

 

Como facilmente percebemos que existem 50 pares entre 1 e 100, é só multiplicar 50 x 101, e temos o total da soma de 1 a 100: 5050. Fácil, não é? Fácil depois que alguém explica.

Mas o que isso tem a ver com o marketing? Muito. Em uma época em que a tecnologia, o design e as ferramentas de comunicação estão quase padronizadas, talvez a maior função do marketeiro seja a de ver as coisas de uma forma diferente, e implementar modelos de negócios originais. Ou seja, entregar algo diferente usando os mesmo ingredientes que todo mundo, como fez o Karlzinho.

Hoje temos diante de nós uma grande oportunidade para observar como este processo acontece, com o desenvolvimento do mercado de música pela Internet. Várias empresas estão colocando suas melhores cabeças marketeiras para chegar a um modelo que ganhe o consumidor com criatividade. Este é o conceito do killer app, um idéia, uma maneira de adaptar o produto, de mexer em suas características técnicas, que ganha o mercado (por isso killer app, uma application que mata a concorrência). Exemplos não faltam, como o e-mail, que tirou a internet do mundo acadêmico e a colocou nas residências e escritórios ou o Ford modelo T, que popularizou o automóvel nos EUA, até então um luxo dos ricos. E por que não, até o celular pré-pago. Mais que um produto inteiramente novo, o killer app é uma combinação criativa e inteligente de recursos já existentes.

No mercado de música digital, o killer app vai não apenas definir quem será o líder, mas também se o mercado vai ser viável. Isso porque hoje este mercado é ameaçado por um super killer app, o Napster, que foi sucedido por outros programas depois de ter sido fechado na Justiça. Para quem não conhece, os programas P2P (peer-to-peer) permitem que milhões de pessoas se conectem na Internet e compartilhem seus programas (no caso, músicas). Se você tem uma música do Tom Jobim em seu micro, alguém no Japão pode pegar. É fácil se achar qualquer música e baixar no micro para ouvir depois. Obviamente, o sistema gerou várias ações judiciais por parte das gravadoras de discos, que não ganham um centavo no processo.

Demorou bastante, em um clássico caso de miopia de marketing, para que os grandes estúdios percebessem que o mercado estava evoluindo. A primeira reação foi simplesmente tentar destruir judicialmente o sistema de distribuição digital, forçando o consumidor a comprar o CD na loja. Como forçar o mercado a se comportar de um jeito que ele não quer sempre dá errado, os estúdios tiveram que dar o braço a torcer e entraram na onda da música digital na Internet. Na verdade, as batalhas nos tribunais, as ridículas ações contra adolescentes de 16 anos que distribuíam músicas nunca dariam em nada. Para cada vitória e cada Napster fechado, dez programadores surgem na Dinamarca ou na Finlândia (o inverno lá deve ser ruim mesmo) com novos sistemas piratas.

A lógica indica que, apesar da distribuição ilegal ser impossível de deter, sempre vai haver uma parcela do mercado disposta a pagar algo para ter o produto legalmente, com os "acessórios e a nota fiscal". Esta é a aposta (tardia) dos estúdios. Um estudo recente nos EUA aponta que na verdade a distribuição ilegal funciona como um sampling e até ajuda no volume de vendas de CDs legais, porque as pessoas que não tinham muito interesse em música se entusiasmam com os arquivos que baixam da Internet e acabam comprando o CD. Ou seja, o mercado se desenvolve porque se ouve mais música, em uma época onde surfar na Internet e ver TV quase acabam com o tempo para isso.

Resta saber qual sistema vai ser o vencedor, e esta é a parte mais interessante para os marketeiros que lidam com desenvolvimento de negócios:

1) Sistema Loja:

Este é o sistema que parece estar dando mais certo, graças à sua simplicidade. A grande responsável por chacoalhar o mercado foi a Apple. Mais uma vez provando a sua enorme força de marca, a empresa lançou um aparelhinho (bem bonito e que virou moda) chamado I-Pod, que chega a guardar milhares de músicas. Para abastecer o comilão, uma loja virtual, a I-Tunes. As músicas são fáceis de achar e custam todas US$ 0,99. Dizem que a Apple não ganha um centavo com as músicas, mas fatura alto com os milhares de I-Pods que vende.

Sem perder tempo, a maior empresa do mundo, o Wal-Mart, também desenvolveu sua music store virtual e, fiel a seus princípios de preço baixo todo dia, vende as músicas por US$ 0,79 cada. O site é simples, você procura a música por cantor, nome ou disco e pode ouvir uma amostra de 30 segundos. Mas sem o charme da Apple...

2) Sistema Assinatura:

Este sistema é para quem passa o dia na frente do computador (todo mundo hoje em dia) ou para quem vai montar um home entertainment system baseado não no receiver, mas no micro, uma novidade que vai chegar no Brasil logo.

Os maiores concorrentes são o Music Now, Rhapsody, o novo Napster e Music Match. O interessante nesses sistemas é que, através de uma assinatura mensal de cerca de US$ 9, você pode ouvir qualquer música, de qualquer disco, a qualquer hora, estando ligado na Internet. Muitas horas de trabalho vão ser perdidas buscando aquele disco que você adorava quando tinha 13 anos e nunca mais viu, ou aquela música que marcou um grande momento. Você pode montar listas de músicas ou deixar seleções especiais (como sucessos dos anos 80) tocarem sem parar.

Se você quiser gravar um CD ou transferir a música para um tocador de MP3 para ouvir no carro ou na academia, então tem que pagar um adicional. O Rhapsody só deixa gravar em CDs de áudio, enquanto com o Music Now você baixa a música para o computador e paga quando grava. O engraçado é que o sistema é tão novo que se suplica ao assinante para que responda a pesquisas sobre o serviço (o que você gostaria que mudasse?).

Todos estes serviços só estão disponíveis nos EUA e não podem ser usados no Brasil, a não ser que você tenha um cartão de crédito americano. Esta é uma limitação imposta pelos estúdios e um fator a se considerar, pois limitações e dificuldades assim podem vir a se tornarem as sementes do fracasso do sistema inteiro. Por que? Para se protegerem, os estúdios desenvolveram uma tecnologia que controla quantas vezes você gravou a música no CD, em quantos computadores pode ouvir, etc. É uma chatice e não funciona. Se você copiar uma música do computador de casa para o do trabalho, tem que buscar a licença na Internet, teclar senha, etc.

Um bom paralelo foi a (burra) adoção de padrões regionais para DVDs, fazendo com que DVDs americanos não tocassem em aparelhos brasileiros e assim por diante. Muito bem...hoje existem sites na Internet onde você pega códigos que, digitados no controle remoto, destravam qualquer aparelho, permitindo que ele toque qualquer DVD.

Com o mercado de música digital é pior: caso a coisa fique muito complicada, é super fácil deixar esse negócio de compra para lá e buscar em um minuto a cópia pirata na Internet. O consumidor não compra a música por medo de ser processado. Afinal, quem vai processar 4.345.876 pessoas (o número de usuários conectados ao mesmo tempo em apenas um dos muitos sistemas P2P)? Ele compra a música pela facilidade do download, para não ter que mexer com programas complicados e pela certeza da qualidade da música. Colocar complicações no processo acaba com essa tênue vantagem.

O destino desse mercado vai depender de quem os estúdios vão deixar gerenciar o negócio, os marketeiros ou, como é hoje, os advogados de patentes. É bom eles acordarem logo, porque com a chegada do formato DivX, toda a revolução que aconteceu com a música digital já está acontecendo com o vídeo. Ainda é um pouco complicado, mas já é possível se assistir filmes na Internet antes de eles chegarem ao cinema.

A Internet possibilitou que inúmeros "Pequenos Karls" demonstrassem sua genialidade criando sistemas novos, auxiliando na distribuição da informação ou pirateando: a definição depende do lado em que você está. Falta agora a indústria de entretenimento aceitar que essa força existe e é irreversível, se adaptar, e começar a contratar prodígios que também entendam de marketing.

MAIO 2004 

 

  © Copyright 2004 - Marcos Dutra -  www.pensandomarketing.com