Conta-nos a história que um jovem executivo havia sido contratado
por importante empresa, a fim de resgatá-la da difícil situação a
que fora submetida, após inúmeros equívocos e erros cometidos em
gestões anteriores: alto endividamento, interno e externo, pressão
de credores nacionais e internacionais, manutenção de produtos,
tecnologicamente defasados, insatisfação generalizada de clientes,
amplo descontentamento de funcionários com o ambiente de trabalho,
política salarial, plano de carreira e com o total descaso com
investimento em formação e desenvolvimento de equipes de trabalho,
prestação de serviços de péssima qualidade, ausência de plano
estratégico, total falta de alinhamento entre os principais
executivos e colaboradores, além de incontáveis casos de comprovada
má administração dos recursos de seus acionistas.
Antes
de assumir as responsabilidades inerentes ao cargo de presidente,
para o qual fora contratado, o jovem executivo decidiu ouvir a
opinião de seu antecessor e solicitar alguns conselhos que pudessem
guiá-lo no desempenho de sua desafiadora missão. Ele estava
convencido de que o antecessor enfrentara os problemas acima
aludidos e, por isso, tinha credenciais para aconselhá-lo com
conhecimento de causa e, assim, ajudá-lo a prevenir possíveis erros
em seu ambicioso e complexo projeto de "turnaround" -, salvar a
empresa de estado tão deplorável.
O
ex-presidente, no primeiro instante, não esboçou nenhum interesse em
atender à solicitação, em face de sua soberba - ele demonstrava
saber tudo e tudo poder. No entanto, refletindo um pouco mais,
disse-lhe: "Conselhos não tenho para lhe dar. Deixarei porém, três
mensagens em envelopes lacrados na primeira gaveta da mesa que você
usará como presidente. Não tenha pressa em abri-los. Controle sua
ansiedade e só recorra às mensagens neles contidas em última
instância. Os envelopes estarão numerados de um a três. Se,
verdadeiramente, precisar abri-los, abra-os por ordem, um de cada
vez e, apenas, se a empresa for atingida por eventuais crises,
capazes de comprometer a saúde e o sucesso dos negócios. Essa é a
única recomendação que lhe faço. Boa sorte e muito sucesso!"
Agora, na presidência, cada um olhava para o novo executivo com
esperança e sem medo de ser feliz. Competia a ele, porém, trazer
efetiva resposta aos problemas deixados por seu antecessor e liderar
a empresa em busca de um futuro promissor.
Todavia, como ocorre em situações de mudança, as pessoas, muitas
vezes, são movidas por três sentimentos básicos: o primeiro, de
euforia - "o messias chegou... temos um salvador da pátria -, e,
modernamente, se poderia dizer: "a esperança venceu o medo"; o
segundo, de total descrença - "já vimos outros chegarem como
verdadeiros messias e saírem como demônios, escorraçados"; e, o
terceiro, de total indiferença - "vamos esperar para ver o que ele
será capaz de fazer; prudência e caldo de galinha não fazem mal a
ninguém."
PRIMEIRO ENVELOPE - PALIATIVO
Passada a lua-de-mel, o jovem presidente vê, inesperadamente,
instalar-se a primeira crise em sua gestão. Convoca, por prudência,
seus principais conselheiros - os antigos companheiros - em busca de
soluções, pois sabe que só deveria abrir o primeiro envelope,
ansiosamente herdado, em último caso. Como as coisas se agravavam a
cada dia de maneira surpreendente, e ele se encontrava num beco sem
saída, abriu o envelope e leu em letras garrafais - "CULPE SEU
ANTECESSOR".
E
assim, aliviado, começou o novo presidente a condenar seu antecessor
por ter deixado a empresa em situação tão delicada, confiante em sua
capacidade pessoal, ainda não testada, para mudar a caótica
realidade. Diante da firmeza em atribuir todos os problemas que
envolviam a crise empresarial à "herança maldita" deixada por seu
antecessor, ficou no ar durante algum tempo que a crise estava
contornada e quem sabe até mesmo debelada. Ele era, como em filme de
cowboy o mocinho e, o outro, o vilão. A universidade da vida o havia
preparado para tal desafio. A formação acadêmica, a experiência
executiva, a qualidade de sua equipe não eram assim tão importantes.
O que verdadeiramente contava, segundo sua visão, era a vontade de
querer fazer as coisas.
O
decorrer do tempo, entretanto, mostrou que a simples vontade e o
remédio aconselhado e devidamente aplicado, em nenhum momento, havia
trazido resposta e solução à crise cada vez mais instalada. Ao
contrário, a empresa reagia negativamente e com mais intensidade
diante dos problemas que se avolumavam e se agravavam. Os
acionistas, os analistas de mercado e, até mesmo, seus companheiros
de longa data ficavam cada vez mais impacientes, inseguros e
descrentes com sua liderança, cheia de boas intenções, porém incapaz
de resolver os seriíssimos problemas da empresa. Até entre os
diretores havia divergências comprometedoras.
SEGUNDO ENVELOPE - AÇÃO
O
jovem executivo lembrou-se, então, da possibilidade de recorrer ao
segundo envelope. Mais uma vez estava convencido de que só deveria
fazê-lo como última alternativa. Angustiado em casa e na empresa com
os problemas de seu dia-a-dia operacional, sentia-se premido pelas
circunstâncias e tenso até mesmo em suas viagens constantes,
assumidas em nome dos negócios e da divulgação da imagem
empresarial. Hesitante e temeroso, decidiu abrir o segundo envelope
que trazia a seguinte mensagem: "REESTRUTURE A ORGANIZAÇÃO E EXECUTE
AS DEMISSÕES NECESSÁRIAS, IMEDIATAMENTE."
A
mensagem era clara e contundente: não havia espaço para sentimentos
humanitários. Negócio é negócio. A administração de uma empresa é
para profissionais com coração de aço e não de carne. E uma tímida e
vacilante reorganização, para espanto de todos, foi executada,
resultando na demissão e de pequeno número de colaboradores, um até
mesmo por telefone. Muitos foram poupados sob o pretexto de
lealdade. O precário estado emocional do presidente era visível.
Quando reunia seus empregados para falar sobre a situação da empresa
chorava e, muitas vezes, exagerava na dose - falava coisas que não
devia, o que tornava a situação, ainda, muito pior.
O
impacto foi demolidor para os poucos demitidos. Para os agentes
financeiros de mercado e os colaboradores remanescentes, apesar de
desconfiados, "acreditavam" que a crise havia sido superada e que a
empresa poderia, agora, trilhar o caminho da prosperidade e do
sucesso. Os executivos sobreviventes, sob novo ânimo, previam um
período de prosperidade jamais visto na organização. O próprio
executivo falou em espetáculo do crescimento e no maior projeto de
recuperação já realizado por uma empresa.
No
entanto, os consultores empresariais consideravam com certa
desconfiança a previsão, por ele feita, e ficavam impacientes.
Enquanto outros, mais otimistas ou, por mero interesse, o aplaudiam
e falavam de uma solução logo ali. O mais importante agora, é ter
paciência, dizia. O culto e experiente presidente até usava de
metáforas extraídas da vida cotidiana - "uma criança, em geral, leva
nove meses para nascer; portanto, como vocês desejam que eu faça a
grande transformação da empresa em tão pouco tempo?"
No
íntimo, todos sabiam que o novo presidente e seus executivos usavam
mais truques de marketing empresarial do que trabalhavam para
erradicar as verdadeiras causas da vulnerabilidade da empresa. A
empresa estava parada, sem norte e predominavam os velhos problemas
de sempre - incompetência gerencial, profissionais errados nos
lugares errados, incompetentes, transformados em competentes, da
noite para o dia, despreparados, transformados em sumidades - o
milagre de notório saber -, desperdício em todas as suas formas, má
utilização de seus recursos humanos e materiais, falta de cobrança e
de resultados e, sobretudo, falta de um planejamento estratégico de
longo prazo - Quem somos? O que queremos ser hoje e no futuro? Quais
são os pontos mais fortes e que distinguem nossa empresa das demais?
Quais são as nossas maiores vulnerabilidades e riscos? Quem são
nossos maiores parceiros e concorrentes? De que recursos dispomos -
capital material, humano, tecnológico e de infra-estrutura? Como o
mercado e os clientes vêem nossa empresa? Por que o mercado, em
geral, deve acreditar em nosso projeto de turnaround? Qual é o nível
de nossa credibilidade nos mercados, interno e externo? Qual é a
imagem da empresa junto a seus fornecedores, credores, clientes e
funcionários? Que nível de respeito a empresa tem pelos seus
constituintes?
A
gestão do novo presidente estava se tornando a cada dia mais
temerosa do que a de seus antecessores. Como dizia, Baltazar Gracian,
"A tolice sempre entra de roldão, pois os tolos são todos audazes. A
mesma inépcia que primeiro os impede de ver as dificuldades, depois
os torna insensíveis ao vexame do fracasso... Não se aposte tudo no
primeiro lance: é bom artifício saber moderar-se no uso de suas
forças, de seu saber, e pouco a pouco ir aumentando o seu
desempenho."
O
tempo, porém, se encarregou de provar o contrário. Uma nova crise de
proporções gigantescas ameaçava tumultuar a empresa e exigir
soluções rápidas e inovadoras. O ambiente interno da empresa ficou
turvo e confuso. O mercado se agitou. A crise de confiança na
capacidade do presidente em solucionar os problemas aumentava. E,
agora, presidente? Essa era a indagação que mais se lia no semblante
de cada empregado. Enquanto isso, no mercado atônito, as ações da
empresa despencavam, novos investimentos eram cancelados e o
presidente, a cada dia, ficava mais nervoso. Em face dessa nova e
inquietante realidade, o presidente perguntava a si mesmo: que
outras providências deverei tomar? Seria conveniente a adoção de
medidas mais drásticas? Enquanto elucubrava novas saídas para os
complexos problemas, ele lembrou-se de que ainda tinha em mãos o
terceiro envelope.
TERCEIRO ENVELOPE - ULTIMATO
Aflito e mais relutante do que nunca, decidiu conhecer o que lhe
reservava o último envelope. Sua expectativa era a de encontrar,
finalmente, uma resposta definitiva e que trouxesse, de uma vez por
todas, a solução que eliminasse a crise e assegurasse a
sustentabilidade das operações da organização que liderava. A
mensagem curta e grossa, porém deixou-o literalmente atônito:
"DEMITA-SE."
Essa
história, por mera coincidência, parece ter sido propositalmente
elaborada para ilustrar as crises que habitualmente desafiam
presidentes de muitas empresas e, principalmente, de nações
emergentes, tão desprovidas de líderes preparados, sábios, cultos e
experientes.
Rui
Barbosa, uma legenda na história nacional, duas vezes candidato à
Presidência da República e duas vezes preterido, apesar de seu
preparo e notório saber, dizia: "O homem que não possuir dentro d'alma
um campo de idéias mais amplo do que ela, não pode governar
beneficamente... O homem cujo horizonte mental se confunde com o
horizonte visual dos partidos, nunca será capaz das virtudes que
assinalam os grandes regedores de povos: o equilíbrio intelectual na
luta, a firmeza nos reveses, a magnidade no triunfo. A ambição
facilmente os desvia do patriotismo; a política oculta-lhes a
humanidade; o presente eclipsa-lhes o futuro. São traficantes, que
não vêm além do balcão, ou capitães que não enxergam além do campo
de batalhas. (Cartas de Inglaterra, Ed. Saraiva, 1929, págs. 172 e
173).
Quase
um século depois das sábias palavras do eminente jurista baiano, o
falecido Ulisses Guimarães, ex-presidente do congresso nacional,
legou-nos uma observação que se alinha bem ao mencionado pensamento
de Rui Barbosa: "O poder não é perigoso. Perigoso é o seu exercício
por homens imperfeitos, vítimas da apoteose mental ou do culto à
personalidade".
A
pergunta está no ar a presidentes de empresas e, principalmente, a
determinados chefes de governo: o que mais precisa e deve ser feito
antes de se abrir o terceiro envelope? Não terá chegado a hora, pura
e simplesmente, de se aplicar a mensagem do terceiro envelope, antes
que danos irreversíveis sejam causados a empresas e acionistas,
credores e fornecedores, empregados e clientes, a nações e seus
cidadãos?
Qualquer que seja o caminho escolhido, abrir ou não abrir o terceiro
envelope, ler ou não ler a última e cruel mensagem - "DEMITA-SE" -,
gostaria de deixar para reflexão de presidentes de empresas e de
nações emergentes, antes que as coisas fiquem piores do que estão:
não esperem a escuridão tenebrosa que se segue ao pôr-do-sol!
Esqueçam a arrogância. Assumam as limitações impostas pela natureza
ou pelo despreparo, antes que a incompetência infelicite a empresa e
provoque danos irreversíveis à sociedade. Ninguém tem o direito de
destruir a esperança e muito menos de prometer o impossível e o
irrealizável. Não se pode confundir carisma, destituído de
experiência, com competência e capacidade gerencial. Não se pode
confundir conhecimento livresco com sabedoria humana. Não se
encantem com o poder, pois ele, além de efêmero, é também
traiçoeiro. A sociedade não os perdoará e poderá, até mesmo,
enterrá-los vivos. Os exemplos da história são abundantes e
notórios. |