Marcos Dutra, MBA - Editor     

   

Infelizmente, Só Resta o Último Envelope !

Por Gutemberg de Macedo
    

   

       
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Gutemberg de Macedo

Presidente da Gutemberg Consultores
Prêmios Top Of Mind 2002 e 2003, Jabuti de Cultura(1993)
 

Especialista em Outplacement, Coaching Executivo e Conselheiro de diretores e presidentes de grandes empresas nacionais e multinacionais

 www.gutemberg.com.br

 

Conta-nos a história que um jovem executivo havia sido contratado por importante empresa, a fim de resgatá-la da difícil situação a que fora submetida, após inúmeros equívocos e erros cometidos em gestões anteriores: alto endividamento, interno e externo, pressão de credores nacionais e internacionais, manutenção de produtos, tecnologicamente defasados, insatisfação generalizada de clientes, amplo descontentamento de funcionários com o ambiente de trabalho, política salarial, plano de carreira e com o total descaso com investimento em formação e desenvolvimento de equipes de trabalho, prestação de serviços de péssima qualidade, ausência de plano estratégico, total falta de alinhamento entre os principais executivos e colaboradores, além de incontáveis casos de comprovada má administração dos recursos de seus acionistas.

Antes de assumir as responsabilidades inerentes ao cargo de presidente, para o qual fora contratado, o jovem executivo decidiu ouvir a opinião de seu antecessor e solicitar alguns conselhos que pudessem guiá-lo no desempenho de sua desafiadora missão. Ele estava convencido de que o antecessor enfrentara os problemas acima aludidos e, por isso, tinha credenciais para aconselhá-lo com conhecimento de causa e, assim, ajudá-lo a prevenir possíveis erros em seu ambicioso e complexo projeto de "turnaround" -, salvar a empresa de estado tão deplorável.

O ex-presidente, no primeiro instante, não esboçou nenhum interesse em atender à solicitação, em face de sua soberba - ele demonstrava saber tudo e tudo poder. No entanto, refletindo um pouco mais, disse-lhe: "Conselhos não tenho para lhe dar. Deixarei porém, três mensagens em envelopes lacrados na primeira gaveta da mesa que você usará como presidente. Não tenha pressa em abri-los. Controle sua ansiedade e só recorra às mensagens neles contidas em última instância. Os envelopes estarão numerados de um a três. Se, verdadeiramente, precisar abri-los, abra-os por ordem, um de cada vez e, apenas, se a empresa for atingida por eventuais crises, capazes de comprometer a saúde e o sucesso dos negócios. Essa é a única recomendação que lhe faço. Boa sorte e muito sucesso!"

Agora, na presidência, cada um olhava para o novo executivo com esperança e sem medo de ser feliz. Competia a ele, porém, trazer efetiva resposta aos problemas deixados por seu antecessor e liderar a empresa em busca de um futuro promissor.

Todavia, como ocorre em situações de mudança, as pessoas, muitas vezes, são movidas por três sentimentos básicos: o primeiro, de euforia - "o messias chegou... temos um salvador da pátria -, e, modernamente, se poderia dizer: "a esperança venceu o medo"; o segundo, de total descrença - "já vimos outros chegarem como verdadeiros messias e saírem como demônios, escorraçados"; e, o terceiro, de total indiferença - "vamos esperar para ver o que ele será capaz de fazer; prudência e caldo de galinha não fazem mal a ninguém."

PRIMEIRO ENVELOPE - PALIATIVO

Passada a lua-de-mel, o jovem presidente vê, inesperadamente, instalar-se a primeira crise em sua gestão. Convoca, por prudência, seus principais conselheiros - os antigos companheiros - em busca de soluções, pois sabe que só deveria abrir o primeiro envelope, ansiosamente herdado, em último caso. Como as coisas se agravavam a cada dia de maneira surpreendente, e ele se encontrava num beco sem saída, abriu o envelope e leu em letras garrafais - "CULPE SEU ANTECESSOR".

E assim, aliviado, começou o novo presidente a condenar seu antecessor por ter deixado a empresa em situação tão delicada, confiante em sua capacidade pessoal, ainda não testada, para mudar a caótica realidade. Diante da firmeza em atribuir todos os problemas que envolviam a crise empresarial à "herança maldita" deixada por seu antecessor, ficou no ar durante algum tempo que a crise estava contornada e quem sabe até mesmo debelada. Ele era, como em filme de cowboy o mocinho e, o outro, o vilão. A universidade da vida o havia preparado para tal desafio. A formação acadêmica, a experiência executiva, a qualidade de sua equipe não eram assim tão importantes. O que verdadeiramente contava, segundo sua visão, era a vontade de querer fazer as coisas.

O decorrer do tempo, entretanto, mostrou que a simples vontade e o remédio aconselhado e devidamente aplicado, em nenhum momento, havia trazido resposta e solução à crise cada vez mais instalada. Ao contrário, a empresa reagia negativamente e com mais intensidade diante dos problemas que se avolumavam e se agravavam. Os acionistas, os analistas de mercado e, até mesmo, seus companheiros de longa data ficavam cada vez mais impacientes, inseguros e descrentes com sua liderança, cheia de boas intenções, porém incapaz de resolver os seriíssimos problemas da empresa. Até entre os diretores havia divergências comprometedoras.

SEGUNDO ENVELOPE - AÇÃO

O jovem executivo lembrou-se, então, da possibilidade de recorrer ao segundo envelope. Mais uma vez estava convencido de que só deveria fazê-lo como última alternativa. Angustiado em casa e na empresa com os problemas de seu dia-a-dia operacional, sentia-se premido pelas circunstâncias e tenso até mesmo em suas viagens constantes, assumidas em nome dos negócios e da divulgação da imagem empresarial. Hesitante e temeroso, decidiu abrir o segundo envelope que trazia a seguinte mensagem: "REESTRUTURE A ORGANIZAÇÃO E EXECUTE AS DEMISSÕES NECESSÁRIAS, IMEDIATAMENTE."

A mensagem era clara e contundente: não havia espaço para sentimentos humanitários. Negócio é negócio. A administração de uma empresa é para profissionais com coração de aço e não de carne. E uma tímida e vacilante reorganização, para espanto de todos, foi executada, resultando na demissão e de pequeno número de colaboradores, um até mesmo por telefone. Muitos foram poupados sob o pretexto de lealdade. O precário estado emocional do presidente era visível. Quando reunia seus empregados para falar sobre a situação da empresa chorava e, muitas vezes, exagerava na dose - falava coisas que não devia, o que tornava a situação, ainda, muito pior.

O impacto foi demolidor para os poucos demitidos. Para os agentes financeiros de mercado e os colaboradores remanescentes, apesar de desconfiados, "acreditavam" que a crise havia sido superada e que a empresa poderia, agora, trilhar o caminho da prosperidade e do sucesso. Os executivos sobreviventes, sob novo ânimo, previam um período de prosperidade jamais visto na organização. O próprio executivo falou em espetáculo do crescimento e no maior projeto de recuperação já realizado por uma empresa.

No entanto, os consultores empresariais consideravam com certa desconfiança a previsão, por ele feita, e ficavam impacientes. Enquanto outros, mais otimistas ou, por mero interesse, o aplaudiam e falavam de uma solução logo ali. O mais importante agora, é ter paciência, dizia. O culto e experiente presidente até usava de metáforas extraídas da vida cotidiana - "uma criança, em geral, leva nove meses para nascer; portanto, como vocês desejam que eu faça a grande transformação da empresa em tão pouco tempo?"

No íntimo, todos sabiam que o novo presidente e seus executivos usavam mais truques de marketing empresarial do que trabalhavam para erradicar as verdadeiras causas da vulnerabilidade da empresa. A empresa estava parada, sem norte e predominavam os velhos problemas de sempre - incompetência gerencial, profissionais errados nos lugares errados, incompetentes, transformados em competentes, da noite para o dia, despreparados, transformados em sumidades - o milagre de notório saber -, desperdício em todas as suas formas, má utilização de seus recursos humanos e materiais, falta de cobrança e de resultados e, sobretudo, falta de um planejamento estratégico de longo prazo - Quem somos? O que queremos ser hoje e no futuro? Quais são os pontos mais fortes e que distinguem nossa empresa das demais? Quais são as nossas maiores vulnerabilidades e riscos? Quem são nossos maiores parceiros e concorrentes? De que recursos dispomos - capital material, humano, tecnológico e de infra-estrutura? Como o mercado e os clientes vêem nossa empresa? Por que o mercado, em geral, deve acreditar em nosso projeto de turnaround? Qual é o nível de nossa credibilidade nos mercados, interno e externo? Qual é a imagem da empresa junto a seus fornecedores, credores, clientes e funcionários? Que nível de respeito a empresa tem pelos seus constituintes?

A gestão do novo presidente estava se tornando a cada dia mais temerosa do que a de seus antecessores. Como dizia, Baltazar Gracian, "A tolice sempre entra de roldão, pois os tolos são todos audazes. A mesma inépcia que primeiro os impede de ver as dificuldades, depois os torna insensíveis ao vexame do fracasso... Não se aposte tudo no primeiro lance: é bom artifício saber moderar-se no uso de suas forças, de seu saber, e pouco a pouco ir aumentando o seu desempenho."

O tempo, porém, se encarregou de provar o contrário. Uma nova crise de proporções gigantescas ameaçava tumultuar a empresa e exigir soluções rápidas e inovadoras. O ambiente interno da empresa ficou turvo e confuso. O mercado se agitou. A crise de confiança na capacidade do presidente em solucionar os problemas aumentava. E, agora, presidente? Essa era a indagação que mais se lia no semblante de cada empregado. Enquanto isso, no mercado atônito, as ações da empresa despencavam, novos investimentos eram cancelados e o presidente, a cada dia, ficava mais nervoso. Em face dessa nova e inquietante realidade, o presidente perguntava a si mesmo: que outras providências deverei tomar? Seria conveniente a adoção de medidas mais drásticas? Enquanto elucubrava novas saídas para os complexos problemas, ele lembrou-se de que ainda tinha em mãos o terceiro envelope.

TERCEIRO ENVELOPE - ULTIMATO

Aflito e mais relutante do que nunca, decidiu conhecer o que lhe reservava o último envelope. Sua expectativa era a de encontrar, finalmente, uma resposta definitiva e que trouxesse, de uma vez por todas, a solução que eliminasse a crise e assegurasse a sustentabilidade das operações da organização que liderava. A mensagem curta e grossa, porém deixou-o literalmente atônito: "DEMITA-SE."

Essa história, por mera coincidência, parece ter sido propositalmente elaborada para ilustrar as crises que habitualmente desafiam presidentes de muitas empresas e, principalmente, de nações emergentes, tão desprovidas de líderes preparados, sábios, cultos e experientes.

Rui Barbosa, uma legenda na história nacional, duas vezes candidato à Presidência da República e duas vezes preterido, apesar de seu preparo e notório saber, dizia: "O homem que não possuir dentro d'alma um campo de idéias mais amplo do que ela, não pode governar beneficamente... O homem cujo horizonte mental se confunde com o horizonte visual dos partidos, nunca será capaz das virtudes que assinalam os grandes regedores de povos: o equilíbrio intelectual na luta, a firmeza nos reveses, a magnidade no triunfo. A ambição facilmente os desvia do patriotismo; a política oculta-lhes a humanidade; o presente eclipsa-lhes o futuro. São traficantes, que não vêm além do balcão, ou capitães que não enxergam além do campo de batalhas. (Cartas de Inglaterra, Ed. Saraiva, 1929, págs. 172 e 173).

Quase um século depois das sábias palavras do eminente jurista baiano, o falecido Ulisses Guimarães, ex-presidente do congresso nacional, legou-nos uma observação que se alinha bem ao mencionado pensamento de Rui Barbosa: "O poder não é perigoso. Perigoso é o seu exercício por homens imperfeitos, vítimas da apoteose mental ou do culto à personalidade".

A pergunta está no ar a presidentes de empresas e, principalmente, a determinados chefes de governo: o que mais precisa e deve ser feito antes de se abrir o terceiro envelope? Não terá chegado a hora, pura e simplesmente, de se aplicar a mensagem do terceiro envelope, antes que danos irreversíveis sejam causados a empresas e acionistas, credores e fornecedores, empregados e clientes, a nações e seus cidadãos?

Qualquer que seja o caminho escolhido, abrir ou não abrir o terceiro envelope, ler ou não ler a última e cruel mensagem - "DEMITA-SE" -, gostaria de deixar para reflexão de presidentes de empresas e de nações emergentes, antes que as coisas fiquem piores do que estão: não esperem a escuridão tenebrosa que se segue ao pôr-do-sol! Esqueçam a arrogância. Assumam as limitações impostas pela natureza ou pelo despreparo, antes que a incompetência infelicite a empresa e provoque danos irreversíveis à sociedade. Ninguém tem o direito de destruir a esperança e muito menos de prometer o impossível e o irrealizável. Não se pode confundir carisma, destituído de experiência, com competência e capacidade gerencial. Não se pode confundir conhecimento livresco com sabedoria humana. Não se encantem com o poder, pois ele, além de efêmero, é também traiçoeiro. A sociedade não os perdoará e poderá, até mesmo, enterrá-los vivos. Os exemplos da história são abundantes e notórios.

JUNHO 2004

 

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