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Tecnologia sem Marketing não resolve

Nos últimos anos, após o estouro da famosa bolha da Internet, vários artigos e livros têm apontado as causas do fracasso das empresas dot.com. Na sua maioria, eles mostram uma situação que tem muito de verdade: falta de planejamento, expectativas exageradas de aceitação pelo consumidor, ganância do mercado acionário, geração de receita insuficiente para sustentar crescimento a longo prazo. Porém, algumas empresas, carregando muitos destes problemas, conseguiram se firmar no mercado e despontar como modelos de sucesso. Por quê?

 

Mais uma vez a resposta está no correto entendimento dos hábitos e necessidades do consumidor, o velho Marketing. Embora haja um certo fascínio pela tecnologia, ninguém vai sustentar um negócio a longo prazo pelo prazer de comprar pelo computador. Um bom exemplo disto é a empresa ValueAmerica, um dos maiores fiascos da Internet e tema do excelente livro dot.bomb, de David Kuo. Sua visão de se tornar um portal de compras onde o fabricante entregaria o produto diretamente ao consumidor, sem precisar de lojas ou distribuidores, seduziu gente do porte de Paul Allen, co-fundador da Microsoft, e Fred Smith, fundador da Fedex, que aplicaram (e perderam) no negócio dezenas de milhões de dólares.

 

Porém, qual a vantagem para o consumidor, que sendo o bicho egoísta que é, não se importa de onde venha o produto, contanto que seja de qualidade, com bom preço e chegue rápido em sua casa? A empresa nunca cumpriu as expectativas de vendas prometidas, com exceção da época em que deu descontos de 50%, o que acabou levando de vez o negócio à falência. Seus produtos atrasavam, a variedade era pequena e não havia diferenciação na maneira de comprar. É interessante notar que sua estratégia de marketing vinha toda da cabeça do fundador Craig Winn, e no livro todo não se fala de uma pesquisa de mercado ter sido realizada. A diretora de Marketing, que se tornou a CEO nos últimos meses de vida da empresa, ganhando um bônus de meio milhão para fechar a companhia, focava suas atividades mercadológicas em produzir anúncios de jornal.

 

Por outro lado, analizando as empresas que utilizaram a tecnologia como potencializador de uma boa idéia e não como o atrativo em si, percebemos que o sucesso da Amazon, por exemplo, não se encontra na compra pelo computador, mas sim na possibilidade de escolha infinita de livros, nas dicas de compra, na apresentação de resenhas dos leitores, fatores que criam um relacionamento a longo prazo com o comprador.

 

Várias empresas perceberam que a tecnologia sozinha não gera necessariamente valor e copiaram o modelo da Amazon, como a Audible.com, que vende livros em áudio que podem ser baixados da internet imediatamente (ótimos para congestionamentos ou longas viagens), ou a Zinio.com, que transmite revistas para o computador com o mesmo formato das impressas, com os anúncios e tudo mais (ainda com o problema da baixa resolução das telas).

 

Mas talvez a melhor novidade na utilização da tecnologia como facilitadora de uma boa idéia que atinge em cheio a necessidade do consumidor é a Netflix.com, uma empresa de aluguel de DVDs na Internet. Outras empresas na web tentaram copiar o modelo tradicional da Blockbuster, mas a incoveniência de ter que devolver os filmes pelo correio em uma data marcada é tão ruim quanto a de ter que devolvê-los na loja. Foi apenas quando a Netflix resolveu apostar em um sistema de assinatura mensal que permite ao consumidor permanecer com três (ou mais) DVDs em casa por vez foi que o negócio decolou. Nunca mais ter de correr para a locadora para devolver o vídeo ! Este é o sonho de milhões de usuários.

 

O sistema permite a escolha de filmes de forma semelhante ao que a Amazon usa para vender seus livros. Uma vez que três filmes são escolhidos, a empresa os envia pelos correios para a casa do assinante, em um envelope discreto que contém um envelope extra, selado,  para o retorno. A cada vídeo retornado e recebido pela empresa, o assinante tem o direito a pedir outro. Não existe o conceito de atraso. Mesmo dispondo de uma enorme variedade, que me permitia por exemplo alugar filmes brasileiros para sessões de cinema com amigos americanos, a Netflix tem mais de 95% de seus produtos nas mãos dos consumidores ou em trânsito. Isso significa uma imensa economia de custos de estoque. A empresa simplesmente administra esse vai-e-vem.

 

A beleza deste sistema, que é na verdade um teste da força de seu conceito mercadológico, está no fato que ele nem precisaria da Internet para funcionar. Ela apenas potencializa um idéia que traz valor real em termos de conveniência e serviço para o consumidor: a essência do bom Marketing.

 

São Paulo, julho de 2003