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E o Fusca Atolou

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Como o conceito de linha racional de produtos ajuda a  explicar a queda da VW

Pergunte para qualquer americano que carro você deve comprar nos EUA e a resposta será unânime: um carro japonês. Isso mesmo em tempos de super patriotismo, um sentimento que parece perder suas forças quando o bolso do consumidor entra em jogo. O carro japonês, principalmente das marcas Honda e Toyota é o preferido. Mesmo sendo mais caro, vale a pena por ser confiável, bonito e não perder valor de revenda. É comum se ver nas ruas Corollas e Civics com 200 mil quilômetros rodando tranquilamente. O seu amigo americano vai lhe dizer que já teve Fords e Chevrolets mas que a qualidade destes não chega aos pés de um Mitsubishi ou um Nissan.

 

O mercado aponta claramente esta tendência, ficando as fábricas americanas com o segmento de pick-ups e, poderíamos dizer com um certo exagero, com o mercado dos aposentados do Meio-Oeste.  Porém, não foi só a qualidade a razão desta preferência. Sem dúvida a boa engenharia e trabalhadores caprichosos fazem a diferença. Estes pontos foram exaustivamente analisados em vários estudos. Mas devemos também lembrar do grande papel que o foco no consumidor, bom posicionamento mercadológico e excelente definição de linha de produtos tiveram nesta conquista.

 

Uma situação que salta aos olhos no mercado americano é o tamanho enxuto das linhas japonesas. A Honda tem basicamente um carro pequeno, o Civic, um médio, o Accord, e uma marca de luxo, a Acura. A Toyota segue exatamente a mesma segmentação: o pequeno Corolla, o médio Camry e a marca de prestígio Lexus. É claro que existem outros modelos, mas a percepçao principal do consumidor fica nestes três segmentos. Você começa quando jovem com um pequeno, talvez usado, e seduzido pela qualidade do carro, vai subindo de nível conforme ganha mais dinheiro. Não é a toa que os três carros mais comprados em 2001 pelos consumidores americanos, tanto homens como mulheres, tenham sido o Accord, o Civic e o Camry[i].

 

É interessante notar que quem criou a estratégia de linha racional de produtos quase se esqueceu dela. Em 1921, a General Motors tinha uma confusão de marcas com carros semelhantes e preços parecidos, gerando uma imensa canibalização. Alfred Sloan, então presidente da empresa, organizou as marcas de acordo com uma progressão de preços onde o consumidor começava com um Chevrolet, seguia para um Oldsmobile e terminava em um Cadillac. Porém, seduzida pelos potenciais cortes de custos, a partir da década de 60 a GM começou a fazer carros com nomes diferentes mas plataformas iguais, criando uma nova confusão na cabeça do consumidor, cuja única certeza era a de que os carros americanos eram mal-feitos e quebravam à toa.[ii] 

 

Talvez o cúmulo do vexame para a empresa tenha sido uma reportagem na revista Fortune[iii] onde quatro modelos da GM foram colocados lado a lado. Feitos com a mesma plataforma, ficou óbvio que eram os mesmos carros com nomes e maquiagem diferentes. As marcas perderam a identidade própria. Recentemente[iv] a GM decidiu descer o machado em carros redundantes e ultrapassados como o Pontiac GrandAm e o Chevrolet Cavalier. A marca Oldsmobile foi aposentada. Resta saber se a GM vai conseguir recuperar o terreno perdido e deter a enorme fuga de consumidores para as marcas japonesas e européias. Hoje a Toyota têm um valor de capitalização de mercado (a soma do valor de suas ações) maior que todas as big three americanas juntas, podendo em teoria comprar a GM.

 

Enquanto isso no Brasil, o mercado se espanta ao ver a Volkswagen, a empresa líder por 4 décadas, perder o primeiro lugar. Na verdade a empresa construiu sua história no país devido ao Fusca, talvez o carro de melhor posicionamento mercadológico que já existiu. Um carro forte, simples de manter, sem maiores luxos mas de bom valor de revenda.

 

Infelizmente o sucesso acaba às vezes por ser o maior inimigo da empresa. O cenário competitivo muda, assim como o comportamento e expectativas do consumidor. O mercado brasileiro de automóveis passou por profundas transformações nos últimos 20 anos, com o advento do carro popular e a chegada dos importados, até a fase atual de grande concorrência, com o estabelecimento de novas montadoras no país. Porém, o que fez a Volkswagen? Seguiu a filosofia de um de seus dirigentes, que declarou que enquanto a empresa produzisse os melhores motores, o resto seria supérfluo, na crença que o consumidor tivesse uma certa adoração pela mecânica. Mas ninguém, com exceção de alguns aficcionados, compra um carro apenas pelo motor.

 

As mulheres, por exemplo, que representam uma enorme fatia do mercado, querem conforto, beleza e facilidade para dirigir. Mesmo os homens não tem mais tempo para mexer no motor aos domingos e devido ao trânsito louco das cidades, também querem ar-condicionado, direção hidráulica e vidros elétricos. Este conforto foi o que os concorrentes, notadamente a Fiat, forneceram.

 

A Volkswagen resolveu seguir na direção contrária: conceito Fusca para todos. Acabamento ruim, plástico de má qualidade, botões do ar-quente que caíam, maçanetas do vidro que quebravam. Todos os VW refrigerados a água davam problemas no radiador. Os VW continuaram a ser os preferidos dos donos de frotas, devido ao excelente motor, mas quem quer hoje dirigir o mesmo carro da companhia de gás?

 

É interessante que a Volkswagen tenha caído nos mesmos erros acima mencionados da GM, começando por uma desastrada parceria com a Ford, a Autolatina, que entregou ao mercado jóias como o Versailles, um carro que era na verdade um Santana com frisos diferentes. Será esta uma das causas das duas empresas serem as que mais perderam mercado nos últimos anos?

 

Outro ataque no conceito de linha racional de produtos tem sido o dos carros de diferentes gerações. Para se aproveitar maquinário, um novo modelo de um carro é lançado com pequenas alterações estéticas, como um paralama pintado e novos faróis, e é chamado de nova geração. Enquanto isso, o modelo velho continua no mercado, com preço mais baixo, causando mais confusão no portfolio de produtos. Idealmente, o consumidor com mais dinheiro compraria o nova geração e o frotista o modelo velho. Mas, novamente, ninguém passa a desejar ter o carro da Comgás apenas porque o farol é diferente. O consumidor não é bobo.

 

Para piorar as coisas, é lançado um carro exatamente do mesmo tamanho do Gol, o Polo, enquanto o Gol, com suas várias gerações, continua em linha. O argumento é que o Gol é o carro de maior venda e não pode portanto ser descontinuado, mas este fato apenas revela a armadilha que a empresa armou para si mesma. Talvez a melhor saída fosse posicionar o Gol como carro simples e robusto, e deixar de lado suas versões luxuosas, que arranham a imagem da empresa no segmento de carros pequenos para famílias e que competem com o Polo nas revendedoras. Enquanto isso o Santana, um carro ultrapassado que deveria ser urgentemente substituído, continua como o carro de luxo nacional da empresa e novos segmentos como as mini vans, não são explorados pela empresa.

 

Duas grandes lições podem ser aprendidas com este caso. A primeira é que não se pode descansar sobre sucessos passados. Um produto pode ter sido bem sucedido em um determinado segmento, mas isto não é garantia que o sucesso será transferido para um segmento novo. Isto acontece não apenas no mercado automobilístico, mas em qualquer indústria.

 

A segunda lição é que tanto no caso da GM como no da VW, a força da imagem de marca não conseguiu impedir que novos concorrentes, com produtos melhor adaptados aos novos gostos do consumidor e um mix de produtos mais coerente, ocupassem a sua liderança. Cada segmento exige um modelo ou marca forte com atributos específicos, que atendam às exigências daqueles consumidores, e para que isso aconteça, o planejamento da linha de produtos é fundamental.



[i] R. L. Polk & Co, Polk Automotive Intelligence, www.polk.com, Jan 5, 2002

[ii] Este parágrafo é inspirado no excelente livro de Jack Trout, Big Brands, Big Trouble, John Wiley , 2001

[iii] Fortune, 22 Agosto 1983 conforme mencionado em Trout, op. cit.

[iv] Business Week,  21 Julho 2003, pag 52

São Paulo - agosto 2003