Nos anos 90 muito se falou sobre a morte da fidelidade de marca, devido à invasão das marcas próprias dos supermercados e a uma tendência dos consumidores em buscar alternativas mais baratas nestes tempos difíceis. Um marco para os profetas do fim das marcas foi a decisão da Phillip Morris em 1993 de conceder descontos em sua marca mais importante, o Marlboro, para enfrentar assim os produtos mais baratos. O mundo do marketing entrou em pânico e ações de grandes empresas de produtos de consumo caíram de preço.
A reação, entretanto, não tardou. Como os produtos realmente estavam se tornando muito parecidos, o desafio foi então de desenvolver a marca sem se apoiar tanto no produto, como tinha sido feito desde o começo do marketing. A saída encontrada por algumas grandes marcas foi associar sua imagem a um estilo de vida, uma atitude, uma aspiração que trouxesse alguma satisfação à vida (meio vazia, pelo que parece) do consumidor, de uma forma que ultrapassasse os benefícios tangíveis do produto.
Não se pode falar de marca como estilo de vida sem se falar do fenômeno da Nike. Todo mundo sabe que a Nike construiu sua imagem de superação de objetivos, do poder da força de vontade humana, do 'Just do it', através de sua ligação com grandes nomes do esporte, como Michael Jordan. Mas poucas pessoas sabem que a empresa utiliza também cool hunters, ou consultores que vivenciam o dia-a-dia de comunidades que ditam a moda adolescente (no caso americano as comunidades negras), procurando por fórmulas para duplicar seu espírito de independência e vanguarda na sua comunicação. A idéia é chegar ao ponto onde a Nike seja mais que uma empresa, passando a ser uma filosofia de vida. Não há dúvida que a empresa foi tremendamente bem-sucedida, chegando ao ponto de um consumidor tatuar seu logo (o famoso swoosh) próximo ao umbigo, para que lembrasse de manhã no chuveiro que deveria seguir a filosofia just do it durante o dia[i].
Muitas outras empresas correram atrás da solução Nike, principalmente as de vestuário, como GAP e Tommy Hilfiger. Outras associaram-se a uma postura ecológica, como a Body Shop, ou mesmo à diversidade global com um toque cool como a Starbucks. Entrar em uma loja Starbucks não é apenas uma ocasião para se tomar um bom (e caríssimo) café, mas de entrar em um ambiente onde se pode encontrar CDs de bossa nova, música africana, livretos sobre o cultivo orgânico de café na Colômbia e sofás mais adequados a uma biblioteca que a uma cafeteria. Mega-stores como as da Nike, Disney, Discovery Channell e Warner proporcionam ao consumidor uma experiência de diversão onde o produto é até difícil de definir, porque pode ser quase qualquer coisa colocada na loja. Até empresas consideradas frias e técnicas, como a IBM, apostaram em campanhas globais mostrando uma pretensa revolução de costumes, com freiras italianas conectadas na internet...tentando fazer a dura fabricante de mainframes de bancos também ser cool.
Recentemente, várias empresas passaram a usar agências de talentos de Hollywood, como a CAA e William Morris, as mesmas que agenciam Tom Hanks, Tom Cruise e Julia Roberts, para gerenciarem a comunicação de suas marcas no mundo do entretenimento, no que parece ser o clímax da marca como elemento cultural, muito além de sua função original de diferenciar o fabricante de um produto[ii].
Chegou-se ao ponto onde Tom Peters parecia ter razão quando dizia que: Creating a brand perceived to be a quality item is more important than actually making one[iii]. Este distanciamento da marca em relação ao produto é óbvio no caso da Nike, talvez a primeira grande empresa de produtos de massa a não possuir nenhuma fábrica.
Porém, o profissional de marketing deve ponderar uma série de questões antes de embarcar nessa tendência, já que mais uma vez o pêndulo parece estar balançando para o outro lado e uma reação do mercado pode estar acontecendo.
A questão mais óbvia é que a associação da marca com um estilo de vida não funciona bem com qualquer segmento, mas sim com aqueles que contém um forte elemento social, como bebidas, música ou roupas. Basear toda a comunicação de certos produtos, como por exemplo celulares, em uma proposta de estilo de vida cool tem sido uma estratégia destinada ao fracasso, pois quase ninguém compra um celular porque uma marca está mais "antenada" que outra, mas basicamente por aspectos técnicos, tamanho e preço.
Entretanto, de eletrônicos a automóveis, os fabricantes continuam apostando em campanhas de estilo de vida com um visual MTV, como se todo o seu público fosse composto de adolescentes querendo impressionar a turma. Desta forma, criam problemas nos quatro pilares que sustentam uma marca:
Legitimidade, já que a promessa é exagerada (ninguém vira "cool" por comprar estes produtos);
Caráter distinto, já que todos os produtos estão usando o mesmo estilo de comunicação e ninguém se sobressai;
Relevância, porque o tom da campanha cool apela pouco para públicos mais velhos ou mais racionais;
Consistência, porque muitas destas marcas até ontem tinham linhas de comunicação totalmente diferentes.
Outra questão importante é se a cultura brasileira vai aceitar a imagem transmitida. Ou apenas os americanos se prestam para isso? A sociedade americana é muito mais impessoal e fria que a nossa, e por isso a busca da identidade individual através do consumo ainda é mais importante por lá.
Também é necessário se avaliar se o consumidor vai pagar um premium apenas por causa da imagem. O problema é que a empresa, empolgada com sua campanha, muitas vezes se esquece de criar um verdadeiro diferencial no produto, e o consumidor que pára para pensar vê que não existe vantagem tangível. Um exemplo é o caso de um amigo que, contatado por um vendedor de um cartão de crédito de prestígio, respondeu que sua necessidade de status não valia o preço do cartão.
Finalmente, temos o aspecto ético. Será que no Brasil podemos acreditar profundamente em marca como estilo de vida quando encontramos crianças pedintes no farol ao sair do shopping? Mesmo no rico Primeiro Mundo, existe grande resistência de ativistas em relação ao que é considerada a venda de uma visão irreal e mentirosa do mundo através da propaganda. A pobreza do Brasil faz esta constatação apenas ser mais imediata[iv].
Talvez seja mais prudente seguir o conselho de David D'Alessandro, CEO da John Hancock Financial Services Inc. em seu livro[v] sobre branding: "Você pode ter a melhor propaganda do mundo, mas uma vez que desaponte um consumidor, ele não voltará para você. A melhor coisa que você pode fazer para sua marca é ter uma boa execução. O serviço ao consumidor é nossa maior luta isto e fazer bons produtos e atender o telefone na hora."
[i] Naomi Klein, Sem Logo, Record, Rio de Janeiro, 2003
[ii] Business 2.0, Why the Great American Brands Are Doing Lunch, setembro 2003.
[iii] Criar uma marca com percepção de um produto de qualidade é mais importante que fabricar um.
[iv] Apesar de uma minoria ainda fazer a alegria de marcas como Daslu, Louis Vitton e Tiffany no Brasil, devemos lembrar que estas são marcas do mercado de luxo, que seguem uma dinâmica diferente.
[v] David DAlessandro, Brand Warfare: 10 Rules for Building the Killer Brand,McGraw-Hill, 2001