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Economia para o consumidor ou pressão para a indústria ?

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copyright: Kroger

Este mês marcou o início de uma nova fase do mercado de marcas próprias no país. Pela primeira vez no Brasil, várias cadeias de supermercados estão anunciando na TV suas marcas com comerciais de construção de imagem, e não apenas promovendo-as como ofertas do encarte.

O setor está entusiasmado: uma recente pesquisa da Ipsos [1] mostrou que 47% da população acredita serem as marcas próprias tão boas quanto as tradicionais. Segundo a Nielsen [2], o número total de itens de marca própria no país cresceu 33%, passando de 15.493, em 2001, para 20.681, em 2002. 59% das consumidoras conhecem e compram marcas próprias.

Estes parecem ser bons números, mas o fenômeno das marcas próprias, com apenas 1,7% de participação em valor em 2002 ainda está engatinhando no Brasil. No Reino Unido, onde são chamadas de "own brands", elas representam 41% do mercado [3]. Nos EUA, um em cada cinco ítens vendidos em supermercados e drogarias é private label (marca própria), representando mais de US$ 50 bilhões em faturamento [4] em 2002. Mais de 90% dos consumidores de lá estão familiarizados com estes produtos e 83% os compram regularmente.

A maioria das empresas fabricantes de marcas próprias são fábricas pequenas ou regionais sem capacidade para brigarem com as líderes ou mesmo grandes fabricantes com excesso de capacidade produtiva. Porém, alguns grandes supermercados, como Kroger e Safeway, operam suas próprias fábricas. A Safeway chega a ter 40 plantas, produzindo de molhos a sorvetes, com um forte departamento de R&D e desenvolvimento de produtos que criou uma impressionante linha de 2500 ítens standard e 1100 produtos premium [5]. Durante minha estadia nos EUA, cheguei a encher um carrinho quase que só com produtos da linha, que acabam sendo ainda mais baratos para portadores do cartão de fidelidade da rede.

Apesar de as redes de varejo estarem investindo em categorias premium, com o fim de associar seus produtos a uma imagem de maior sofisticação, não é de se estranhar que ainda as categorias de maior aceitação de marcas próprias nos EUA sejam aquelas de menor diferenciação: 74% do mercado de ovos, 62% de leite, 47% de açucar; enquanto outras onde a escolha pessoal conta muito ainda não tenham uma grande participação, como cosméticos, com 2,9% e bebidas alcoólicas, com 0,7%[6].

Um dos principais motivos para este sucesso é a economia: estima-se que os consumidores economizem US$ 15,8 bilhões ao escolherem marcas próprias. Este raciocínio se explica pelo conceito do "marketing tax," que se constitui dos custos de promoção e propaganda que as grandes marcas têm que repassar no preço final de seus produtos.

Esta economia sempre foi a razão de ser das marcas próprias e uma verdadeira vantagem para o consumidor.

Portanto, é importante o questionamento sobre o objetivo dos gigantes do varejo brasileiro ao iniciarem este investimento de propaganda em suas marcas. Infelizmente, parece que ao invés de usarem as marcas próprias como uma opção mais barata para o consumidor, as redes brasileiras distorceram o conceito e as estão usando como uma ferramenta de pressão contra a indústria.

Por que este fato é preocupante? Devido às enormes exigências que os supermercados impõem aos fabricantes, como "enxovais" de abertura de loja, taxas de cadastramento de produtos, taxas por ponto especial, taxas para inclusão em encartes, taxas para participar dos famosos aniversários; sem contar com a manutenção de um exército de repositores pagos pela indústria, um fenômeno tipicamente brasileiro, incomum nos EUA. Estudos de rentabilidade já mostram que a indústria chega a perder dinheiro nas negociações com as maiores redes.

Para piorar, agora o fabricante que se recusa a cooperar sofre a ameaça de ter seu espaço em gôndola ocupado por marcas próprias que, com menos de 2% de mercado, não representam a escolha do consumidor.

Este fenômeno se caracteriza como concorrência desleal. As marcas próprias não precisam obviamente pagar nenhuma daquelas taxas cobradas pelo varejo. Também investem pouco em tecnologia e desenvolvimento, copiando o que a indústria levou anos e muito dinheiro para desenvolver. Se elas passarem a investir pesado em propaganda, estarão traindo o conceito de economia por ausência do marketing tax, ficando necessariamente mais caras e se tornando ainda mais desinteressantes para o consumidor. A única maneira de manterem-se competitivas será através do aumento artificial do preço das marcas tradicionais.

Apesar de serem empresas privadas, as grandes redes de supermercados têm um papel social e econômico importante na distribuição dos bens produzidos pela sociedade, ainda mais se considerarmos que este setor tem experimentado concentração crescente nos últimos anos, com constantes aquisições de redes menores pelas líderes de mercado.

O uso de marcas próprias como fator de criação de lealdade para a loja e arma na concorrência entre as redes de supermercado através de preços mais baixos é altamente positivo. Mas quando o consumidor é prejudicado pela excessiva taxação das marcas tradicionais que ele prefere, é hora de se parar para pensar.

1 Ipsos, press release, 2003

2 AC Nielsen Brasil, press release, 2003

3 Private Label Manufacturers Association - Internet: www.plma.com

4 A run for the money. Progressive Grocer, November 2001, VNU Business Media

5 AC Nielsen, EUA, 52 semanas terminadas em 1/9/2001, relatado em Progressive Grocer, op. cit.

Sao Paulo - setembro 2003