A gigante de produtos de consumo Procter & Gamble anunciou em setembro, nos EUA, que vai investir US$ 80 milhões no lançamento de uma linha de cremes dentais "temperados". Com nomes como Cinnamon Rush, Extreme Herbal Mint, e Fresh Citrus Breeze, a linha foi buscar o aval de um famoso chef de cozinha com programa na TV, chamado Emeril Lagasse. [i]
Segundo a empresa, pesquisas mostram que os consumidores gastam 20% a mais de tempo escovando os dentes com as pastas temperadas que com as normais. A esperança é que o lançamento ajude a P&G a recuperar a liderança perdida em 1998 para a Colgate, depois do lançamento da Total.
Várias questões vêm à mente. Que efeito a longo prazo esse movimento terá no brand equity da Crest ? E, mais importante, se há riscos, o que leva uma empresa de primeira linha como a P&G a fazer esse lançamento? Algum potencial de vendas deve existir, mas será um potencial a longo prazo ou o abandono de um segmento prioritário por uma novidade passageira?
Olhando um pouco para o passado, podemos ver que o equity da Crest foi totalmente baseado nos benefícios terapêuticos, ou saúde bucal (em oposição ao segmento cosmético). O grande salto da marca ocorreu em 1955, com o lançamento pioneiro do creme dental com Fluoristan. O uso do flúor promoveu uma dramática redução nas cáries, e com a adoção do aval da Associação Americana de Dentistas (ADA) a marca tomou mais de um terço do mercado e a liderança, que reteve por 35 anos.[ii]
Entretanto, a Crest não conseguiu manter a liderança em inovação em seu segmento. O tratamento dos dentes apresentava uma progressão: prevenção de cáries, controle de tártaro e proteção contra gengivite. A Colgate com o Total se tornou o primeiro produto a apresentar todos estes benefícios e tomou o primeiro lugar. Agora parece que a Crest mudou de vez de direção: vai ser muito difícil retomar da Colgate o posicionamento terapêutico, depois de uma imensa campanha baseada em sabor.
Isto nos faz pensar no que leva uma empresa a arriscar uma mudança no seu equity desta forma. Nos últimos anos, temos visto vários lançamentos e extensões de linha de diversas empresas que contrariam estratégias seguidas há muito tempo. Novos sabores, versões que são lançadas para sairem do mercado seis meses depois. Será isto inovação ou falta de opção?
A resposta parece ser simples: crescimento a qualquer custo. Wall Street nas últimas décadas tem colocado tamanha pressão em crescimento que a única saída quando não há uma idéia realmente inovadora é arriscar um brand extension. Os altos executivos são remunerados principalmente através de stock-options, e caso as ações caiam, sua renda despenca. No Brasil, as multinacionais recebem a pressão por tabela.
A revista Fortune[iii] trouxe um interessante artigo em 2001, mostrando que a maioria das empresas prevêm um crescimento de 15% para o próximo ano. Entretanto, um estudo realizado com 150 companhias nos períodos de 1960-1980, 1970-1990 e 1989-1999, mostrou que apenas 3 ou 4 empresas conseguiram crescer 15% ou mais por ano nestes períodos. Na verdade, de 20 a 30 empresas tiveram números negativos.
Ou seja, a expectativa de crescimento de 15% a qualquer custo é irreal. Crescimento desta magnitude só acontece com empresas em segmentos novos, como a Microsoft, ou quando a empresa cria uma tecnologia realmente inovadora, o famoso killer app. Mas o que acontece com empresas de consumo, onde a inovação transformadora em produtos acontece em intervalos maiores, é que o pobre gerente de produto, sentindo-se pressionado para apresentar lançamentos, acaba trazendo extensões de linha, novos sabores, promoções especiais e outras novidades que pouco acrescentam ao mix, não reforçam a brand equity e promovem canibalização de outros produtos da empresa. Frequentemente fortes conflitos são criados com o trade, que não vê com bons olhos produtos com pouca perspectiva de vendas. Toda a estrutura da empresa, como R&D, embalagens, vendas, é pressionada muitas vezes para lançar um produto de pouca importância estratégica.
Existem outras maneiras de se promover inovação quando não há grandes idéias para novos produtos. A inovação pode acontecer em processos, no atendimento ao consumidor, na produção ou mesmo no refinamento de produtos existentes.
Certamente a geração de idéias e o teste de novos conceitos deve ser uma rotina e uma prioridade da empresa. Mas quando não existe uma idéia break through que possa levar a um forte ritmo de crescimento, é melhor se pensar em solidificar a posição conquistada com investimentos nas marcas consagradas, distribuição de dividendos ou possíveis investimentos em novos segmentos em crescimento. Uma empresa que utiliza esta estratégia de maneira eficaz é a Coca-Cola, incrementando a imagem e consumo de um produto de 100 anos. Como diz seu ex-VP de Marketing, Sergio Zyman, a saída é vender seu produto em maior quantidade, para mais gente e com mais frequência. Na única vez em que a Coca embarcou na filosofia do crescimento a qualquer custo, com a New Coke, o resultado todo mundo sabe qual foi.
[i] Business 2.0, Marketing Focus Newsletter, 18 de setembro de 2003
[ii] Trout, Jack; Big Brands, Big Trouble; John Wiley, 2001. pg 80
[iii] Fortune Magazine, 5 de fevereiro de 2001