Quem não conhece aquela pessoa que come um sanduíche de mortadela no almoço mas que comprou o último notebook? Ou aquela amiga que ainda não se decidiu a comprar a casa própria mas que vai todos os anos para a Europa? Em todas as garagens de prédios de São Paulo também é possível se encontrar um carro que vale mais que o apartamento do dono. Em compensação, conheço mulheres que carregam mais valor em jóias e roupas no corpo que o preço de seus carros.
O fato é que os consumidores, para complicar mais ainda a vida dos marketeiros, não apresentam um comportamento de gastos uniforme, compatível com sua renda, em todas as áreas: é comum uma pessoa economizar em alguns ítens para poder gastar em algum produto que tenha um valor especial para ela, tornando previsões de segmentação de mercado ainda mais falhas.
O que então sempre foi um feeling passa a ser fato comprovado após a realização de um estudo com 30 categorias e 2.300 consumidores, realizado por dois consultores do Boston Consulting Group, Michael Silverstein e Neil Fiske, que acabou em um livro: Trading Up: The New American Luxury (Portfolio, 2003). Os produtos new-luxury não são as convencionais marcas de luxo, como Louis Vuitton ou Prada, mas produtos premium de categorias comuns como eletrodomésticos, comida ou eletrônicos que representam um forte apelo emocional para o consumidor, custando em consequência de 20% a 200% mais caros. É o fenômeno do "eu mereço".
Algumas empresas, como a Starbucks, praticamente foram construídas sobre este conceito. Uma xícara (ou pior, um copão de papel) de cafe-latte do Starbucks chega a custar R$ 10, mas as pessoas pagam pela sofisticação, pelo ambiente do lugar, pelo momento de tranquilidade. A Apple, com seus computadores bonitos, é uma escolha complicada em um mundo onde todo mundo tem PCs, mas seus fãs não abrem mão do design e exclusividade. A BMW tem estudos que mostram pessoas vivendo em apartamentos de um quarto nos EUA e dirigindo um dos carros da marca.
Porém, qualquer empresa de visão pode se aproveitar do conceito. Existe um mercado crescente para vinhos, queijos especiais e vegetais orgânicos, para não falar em pet-shops. O segredo não é ter um preço absoluto alto, mas sim ser mais caro (e lucrativo) que a média do mercado daquela categoria. Mas para isso deve-se investir em qualidade diferenciada e posicionamento muito bem desenvolvido, apoiando-se em um tripé de benefícios técnicos (como o produto é desenhado), funcionais (a experiência que fornece ao consumidor) e emocionais (como faz o consumidor se sentir).[i]
A consequência desta situação é que mais e mais as empresas têm de encarar o dilema já proposto por Michael Porter com suas estratégias para vantagem competitiva: ou você consegue adicionar valor emocional e diferenciação, com maiores margens de lucro, ou é obrigado a ter os menores custos para oferecer os menores preços. A posição intermediária é morte certa, como bem provou a GM nos EUA, imprensada entre os carros econômicos japoneses e os luxuosos europeus.
O interessante é que o fenômeno que deu início a este processo foi a redução de custos promovida por lojas de desconto como WalMart e Costco, que permitiram que a classe média americana tivesse uma sobra no fim do mês para comprar os mimos new-luxury. Quem conhece bem aquele mercado sabe que o americano não tem vergonha nenhuma de pechinchar em liquidação ou em uma garage-sale e sair carregando as compras em uma Mercedes nova.
O estudo de Silverstein e Fiske mostra que nos EUA, as famílias passam a fazer o trading-up (trocar por produtos mais caros) a partir de uma renda anual de US$ 50,000. Conhecendo os brasileiros e sua vaidade natural, esta renda limite por aqui deve ser menor...afinal sempre é possível se apertar mais em outra área. Que o diga a Daslu...
[i] Fast Company, novembro 2003, pg 89