A tecnologia, a disseminação da informação e a facilidade de se fazer negócios em um mundo globalizado estão trazendo um desafio não esperado para as empresas: a dificuldade em se realizar lucros. E os grandes vilões são o aumento da concorrência e comoditização.
Um bom exemplo é o caso dos provedores de música pela Internet, como o ITunes, da Apple. Por apenas um dólar, o usuário pode escolher qualquer música que lhe agrade e baixá-la para o computador. Muito melhor que termos que comprar um CD com uma série de músicas que geralmente não gostamos, apenas para podermos desfrutar de uma ou duas faixas. Mas mesmo assim, é mais caro que pegar a música de graça na Internet, sem pagar royalties. A realidade é que desse dólar (mais exatamente 99 cents) que a Apple ganha do consumidor, entre 70 a 75 cents vão para direitos autorais. Dos 24 a 29 cents que sobram, 27 cents vão para as empresas de cartão de crédito que processam a transação. É isso mesmo...não sobra nada. É impossível para a Apple aumentar o preço, o que empurraria o mercado para o download pirata, sendo a única alternativa da empresa fazer dinheiro com a venda do aparelhinho que toca os arquivos MP3, o IPod, que já vende mais que os Macintoshs.[i]
Um exemplo mais próximo de pressão da concorrência por preços baixos, causada pela tecnologia, é a facilidade que pequenos empresários têm hoje de lançar produtos comparáveis aos das grandes empresas. Nada impede que um investidor do interior de São Paulo, por exemplo, compre da Suiça ou Alemanha uma excelente máquina de fazer biscoitos, contrate uma agência local que tenha os mesmos computadores de uma grande multinacional e faça uma bonita embalagem. Como sua estrutura é mais leve, seu preço geralmente será bem mais baixo. Ganha-se pouco, às vezes sonega-se, mas para um negócio familiar que não sofre as pressões de Wall Street está bom. Este fenômeno tem sido mais explícito no segmento dos refrigerantes, onde depois da entrada das garrafas PET no mercado, ficou difícil convencer o consumidor a não comprar o produto de segunda linha, que agora é até bonitinho, pela metade do preço.
Hoje os fornecedores de matérias-primas do setor químico podem entregar a seus clientes pequenos fórmulas de xampús e cremes tão boas quanto as das marcas mais vendidas. As empresas grandes passam a depender então de pesados investimentos em propaganda e geração de brand equity que, apesar de manterem a preferência de marca, estão arrastando a margem de lucro para baixo. Some-se a esta situação a pressão dos supermercadistas e os impostos e pode-se entender o aperto que elas enfrentam.
Talvez a solução esteja não em evitar a comoditização, que é um fato consumado, mas em aplicar uma estratégia que algumas empresas de tecnologia nos EUA estão usando. A empresa procura no mercado mundial chips que custam hoje um décimo do que custavam há cinco anos e monta computadores especializados, customizados para certas operações. Também constrói controladores de grandes redes com os componentes de qualidade mais baratos do mercado internacional. A diferença é que estes sistemas possuem um software sofisticado, que mais ninguém tem, que os transforma nos melhores produtos do segmento. Estima-se que o hardware não pese 20% no preço final do produto.
Este exemplo pode e deve ser seguido. Vai ser cada vez mais difícil convencer seu consumidor que seu biscoito é melhor que aquele baratinho, que seu televisor tem a melhor imagem (quando os tubos vêm de um lugar só) ou que seu celular é de melhor qualidade, quando a mesma fábrica na Ásia faz o seu e o do seu concorrente. A questão é o que pode ser adicionado em termos de conveniência para o consumidor, relacionamento, serviços adicionais e identificação à imagem de marca. Software mercadológico, em resumo.
Se a empresa não conseguir desenvolver este trabalho, vai cair no pesadelo que tem sido o mercado de automóveis há muito tempo. Como as empresas são incapazes de criar qualquer tipo de relacionamento duradouro com o consumidor, o pobre motorista compra o carro, passa por dezenas de péssimas experiências de mau atendimento e problemas de qualidade, para poder dar o troco quando muda de marca ao comprar um novo veículo.
Finalmente, é importante notar que não haverá espaço para o meio-termo: apenas empresas muito focadas ou empresas de grande volumes sobreviverão. Concentração e aquisições não são estratégias de lucro, mas de sobrevivência. As grandes multinacionais sabem que precisam comprar as pequenas start-ups, mesmo que esses negócios abaixem momentaneamente sua lucratividade (o preço das ações sempre caem). É que só assim podem manter o market share que possibilita os enormes volumes onde pequenas margens de lucro fazem sentido. Ganha-se pouco em cada produto vendido, mas a soma é imensa.
Por outro lado, empresas pequenas que querem ter um futuro devem fugir de commodities como o diabo foge da cruz. Apenas monstros multinacionais conseguirão sobreviver nesse mercados, agindo mais como traders que fabricantes, controlando cadeias de suprimentos internacionais e fornecedores. A lucratividade para os pequenos está em se tornar uma boutique de produtos e serviços customizados com maiores margens, o tipo de atividade que as grandes dificilmente podem assumir. A única exceção é se, como já está se tornando comum, a empresa já nascer com a intenção de ser vendida. Aí o truque é jogar o preço do produto lá em baixo, ganhar muito share para incomodar bem os grandes e arrumar um bom banco de investimento como parceiro nas negociações de venda.
[i] Business 2.0 Media Notes Newsletter 11/12/2003