A grande imprensa tem noticiado que os investimentos internacionais no mercado financeiro brasileiro estão aumentando, e esta é uma boa notícia. É verdade. Mas é importante ressaltar que este é o investimento internacional volátil, de recursos financeiros que vêm e vão conforme o balanço remuneração/risco de cada país no momento, e não investimento concreto em nosso sistema produtivo.
O investimento internacional de risco, ou seja, aquele que gera empregos e produção através de novas plantas industriais, escritórios comerciais ou participação em empresas nacionais, vem sistematicamente preterindo o Brasil. No período entre 1998 e 2001, o investimento estrangeiro direto líquido no Brasil oscilou entre US$ 24 e 30 bilhões anuais. No ano de 2002, mesmo com todas as dificuldades que atravessamos e a incerteza do período eleitoral, tivemos US$ 14 bilhões. De janeiro a outubro de 2003, este investimento caiu para US$ 6,5 bilhões, e poderemos fechar o ano com menos de US$ 8 bilhões.
A despeito da retórica ou até mesmo lugar-comum sobre a necessidade e vontade de atrair investidores para nosso país, constatamos com preocupação que a performance tem sido pífia. A explicação não pode ser simplista, é resultado de uma conjugação de elementos de conjuntura com equívocos de política.
1-Queda mundial no volume de investimentos.
O mundo de 2003 não é o mesmo de 1998. Com a desaceleração econômica dos EUA, Europa e Japão, os investimentos recrudesceram em 2002 e 2003 em todo o mundo. No entanto, a participação brasileira caiu mais do que proporcionalmente.
2-Demanda interna brasileira e da América Latina não justifica novos investimentos.
Grande parte dos investimentos realizados no Brasil no período entre 1998 e 2001 eram resultantes dos processos de privatização e a construção de base de produção para atender ao mercado brasileiro e latino-americano. Com a queda de renda real da população brasileira desde 2001, o desastre ocorrido na Argentina e o baixo crescimento econômico da região, os investidores passaram a negligenciar a região em detrimento da Ásia.
3-Elevada carga tributária do Brasil, principalmente se comparada aos países concorrentes.
A carga tributária brasileira é comparável a países europeus como a França e a Suécia. Em comparação com a média da América Latina e os principais países asiáticos, chega a ser duas vezes superior em alguns casos. Por isso é difícil sermos opção como base de exportação.No mercado interno, a compressão de margens afugenta investidores. Essa é uma das razões para tantos mecanismos compensatórios e programas setoriais.
4-Condições logísticas não têm melhorado: logística cara e infra-estrutura deficiente.
O preço da logística no Brasil é caro para justificar uma grande base de produção para exportação. A burocracia portuária e aduaneira é mais severa do que em outros países com quem estamos disputando por investimentos globais. Como corredor para a América Latina, as estradas são deficientes e o custo de transporte, caro. Anteriormente, a atratividade (grau de exposição e demanda) do nosso mercado ofuscava os riscos sistêmicos (como más condições logísticas, carga tributária alta e problemas legais). Não mais.
5-Problemas persistentes com lei e ordem: corrupção e insegurança como realidade sem evolução.
O Estado brasileiro tem demonstrado pouca condição para lidar com a escalada de insegurança no País. As más condições de segurança encarecem o recrutamento de Recursos Humanos expatriados e trazem custos extras com segurança privada e seguros. Os índices de corrupção apontados por institutos internacionais pararam de melhorar e têm até mesmo involuído recentemente, uma vez que não existe uma política oficial anti-corrupção em curso. A desmoralização pública do Poder Judiciário tampouco ajuda neste aspecto.
6-Perda de transparência na relação entre Governo e agentes econômicos ; desrespeito a contratos.
O aumento da promiscuidade entre o comando político do governo e a atuação técnica das Agências Reguladoras que deveriam ser independentes é entendida pela comunidade econômica internacional como retrocesso. Com mais centralização e politização do poder, perde-se transparência e senso de continuidade. Se o Brasil tinha uma estrutura institucional relativamente avançada para países em desenvolvimento, estas instituições começam a cair por terra. Os recentes dedazos nas Agências lembram as piores fases do PRI mexicano.
7-Política externa indefinida entre pragmatismo e arroubos nacionalistas.
Os analistas e planejadores internacionais não têm a mesma benevolência e "savoir-faire" e observam com atenção declarações rasteiras ou desencontradas sobre o papel dos EUA na segurança mundial, o vai-e-volta sobre a ALCA, carimbadores malucos para impressões digitais de gringos e visitas de Estado a ditaduras que mantêm regimes quase medievais. Neste caso, vale a lei do mais forte, que é quem detém o capital para investir. Se não agüentamos o calor, é melhor sairmos da cozinha.
8-Falta de consistência programática do Governo Federal.
Apesar da boa administração macro-econômica e da manutenção das contas fiscais, o Governo tem conseguido o equilíbrio através do inchamento da arrecadação, o que estrangula uma produção já deprimida. Reformas estruturais no papel e intervenção do Estado não aparecem na pauta até agora. É difícil entender um mesmo Governo, representante oficial do País, que fala quatro ou cinco línguas diferentes, por mais racional e efetiva que seja a ação de seus representantes mais lúcidos.
Temos que concluir que hoje somos um pouco do "blazer amarelo-ovo", aquele que só é vendido em condições muito especiais, com incentivos muito especiais. Sem incentivos vultosos, teremos apenas que apresentar educação de recursos humanos, infra-estrutura, carga tributária e respeito à lei e ordem em condições superiores a outros países. Ou fazer o motor da economia engrenar de vez. O que não se consegue sem ajustar a questão sistêmica. Logo...
Em investimento internacional a cartilha de atratividade funciona assim: (1) vantagens naturais e condições sistêmicas boas, (2) incentivos compensatórios, ou (3) demanda interna ou regional em alto crescimento. Nossos lindos olhos podem comover, mas não são o suficiente para persuadir a decisão.
Gustavo Grisa www.gustavogrisa.com.br
|