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Law of disruption e o futuro do Brasil

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Durante as recentes eleições americanas, muito se falou das máquinas de votação brasileiras e da dua superioridade quando comparadas com os sistemas americanos de voto. Enquanto no Brasil se aperta um botão enquanto a imagem digitalizada do candidato sorri para o eleitor, nos EUA as pessoas tem que fazer furos em um pedaço de papel. Talvez momento mais marcante, ou cômico, deste problema tenha sido a cobertura feita por helicópteros de TV do caminhão da UPS que levava as cédulas para recontagem manual, como que para vigiar se alguma não se perderia no caminho.

Entretanto, os orgulhosos brasileiros ficariam surpresos em saber quantos outros sistemas e atividades são mais avançados no Brasil que nos EUA.  O cliente do banco brasileiro que paga sua conta digitando o número do código de barras na página de Internet do banco não imagina que o americano médio estaria preenchendo um cheque, geralmente carbonado para segurança, colocando a conta em um envelope, selando e procurando uma caixa de correio para ter o mesmo resultado: a conta paga.

O mesmo acontece com o contribuinte que prepara rapidamente sua declaração de imposto de renda e se conecta eletronicamente com a Receita Federal para determinar em qual agência sua restituição será depositada. Nos EUA, o processo ainda funciona em sua maioria com relatórios em papel que são enviados para o IRS, o Leão americano.

Existem muitos outros exemplos, que nos fazem parar para pensar como um país em desenvolvimento pode estar mais avançado que o centro de tecnologia do mundo. Afinal, os EUA têm o Vale do Silício, não têm? Na verdade, a questão tem menos a ver com o desenvolvimento tecnológico do que com os custos de se mudar uma estrutura já implantada e  disseminada.

Praticamente em todos os setores, os EUA começaram antes dos outros países e desenvolveram sistemas que alavancaram a produtividade de qualquer atividade. Entretanto, a revolução que aconteceu na eletrônica e agora na Internet colocou em cheque muitas das tecnologias que até agora pareciam imbatíveis. De repente, o que costumava ser um asset, passou a ser uma liability. Quem vai ter coragem de jogar fora as milhares de máquinas que contam cédulas eleitorais com furinhos? Quem vai pagar pelas máquinas eletrônicas de voto?

Países que implantaram sistemas mais tarde percebem, para sua surpresa, que têm uma grande vantagem. Temos o exemplo da telefonia celular: muitos países, inclusive o Brasil e Vietnã, que engatinhavam na implantação de fios de telefone, em alguns deram um salto com o uso da tecnologia de telefonia móvel, de implantação muito mais barata.

Esta situação tem sido analisada por estudiosos que cunharam a expressão Law of Disruption, que significa basicamente que nenhuma organização ou sistema consegue acompanhar a mudança da tecnologia. A organização evolue linearmente, enquanto a tecnologia evolue exponencialmente. A solução é jogar fora o que você tem e começar do zero com algo novo. Muitas empresas já compreenderam estas regras e lidam naturalmente com conceitos como auto-canibalização de produtos, spin-offs, outsorcing e experiências com todo o tipo de nova estrutura.

O que isso significa para um país em desenvolvimento como o Brasil? Historicamente o país tem tido uma preocupação em manter o status quo e privilégios de minorias que é mais notada no setor público. Devido a drásticos reajustes, o setor privado é hoje infinitamente mais produtivo que o governo. Mas ainda há tempo para se tomar vantagem de características únicas que a nova economia nos apresenta.

A primeira é a democratização da informação. Nunca o conhecimento foi tão abundante, barato e disponível, principalmente depois do desenvolvimento da Internet. Sem dúvida muito da pesquisa de ponta é feita em centros avançados, mas as técnicas que mudam a vida das pessoas, que revolucionam o dia-a-dia, essas idéias vem de pessoas normais, que sabem utilizar o que já existe hoje e tem oportunidade para inovar. A origem da inovacao empresarial nos EUA têm sido os pequenos empreendedores como Bill Gates da Microsoft e Jeff Bezos da Amazon, e não os centros de R&D de grandes corporações.

Os  cursos de mestrado nos EUA e na Europa ensinam a mesma coisa para os brasileiros e para os americanos, japoneses e europeus. Hoje o pequeno fazendeiro do interior do Ceará pode ter acesso à mesma tecnologia agrícola que a multinacional européia e o estudante de Manaus pode ler o mais novo livro sobre a nova economia na semana em que ele foi publicado em San Francisco.

Para que essa vantagem seja traduzida em mudança de produtividade e avanço econômico, é necessário ensinar as pessoas a usar a tecnologia, urgentemente. Particularmente no Brasil, um país imenso e com muitos recursos, é urgente esta democratização da informação. Os ganhos que o país pode vir a ter quando a inteligência que ensina como produzir estiver fluindo entre estados através de fibras óticas, ao invés dos produtos prontos vindos de São Paulo em um caminhão poluidor, não podem ainda ser calculados.

A segunda grande vantagem é o potencial da utilização eficiente de redes descentralizadas. Este fato contraria a tradição brasileira de controle, centralização e privilégios, mas é o oxigênio que dá vida às transformações na nova economia. Quase todo o ganho de eficiência que se verifica hoje, na fase pós-economia de escala, vem da redução de burocracia, transporte físico de materiais ou pessoas ou da capacidade de se produzir em pequena escala com eficiência.

O futuro se desenha hoje de maneira muito clara: organizações enxutas, trabalhando com outras organizações em parceria e se concentrando naquilo que ela faz melhor, formando uma rede de contatos onde o que interessa é a conectividade. Ganhos fabulosos podem ser obtidos em uma economia conectada: agentes de produção que estavam isolados passam a ter mercado, empresas que dependiam de um único fornecedor passam a ter opção. O mesmo funciona para indivíduos e organizações do governo.

Obviamente esta solução é radical e vai encontrar resistências onde for aplicada, já que seu funcionamento parece ser contrário ao jeito normalde se ver o mundo. Muitas vezes o custo que vai se pagar é muito mais fácil de se ver do que o benefício que pode demorar um pouco mais para vir. Que prefeito vai bancar a instalação de um ponto de Internet na biblioteca ao invés de mais um programa contra a fomeou outra medida populista, apenas porque um garoto ou garota mais interessado vai se beneficiar? O recente fórum de Porto Alegre e a resistência de diversas organizações pelo mundo afora mostram que as mudanças serão difíceis. Porém, a não ser que o país escolha um modelo de total isolamento, a mudança vai acabar vindo, e por não ter sido feita de maneira consciente e na hora adequada, vai ser muito mais dolorosa.

Phoenix, EUA, 2001