Entrei em uma sala de cinema, e cinema é o que eu pretendia ver. Era filme arrasa-quarteirão e, portanto, antes mesmo de seu lançamento, tema de inúmeras promoções e licenciamentos. Completamente desnecessário dizer qual era o filme: poderia ser qualquer um das dezenas de produtos assim despejados sobre o mundo nos últimos anos, tanto no que se refere ao conteúdo e forma quanto à divulgação e distribuição.
Sala cheia, baldes de pipoca e jarras de refrigerante nas mãos de quase todos, inicia-se a projeção. Comercial de refrigerante. De jornal. Penso no preço que paguei pelo ingresso. Comercial de junk-food. Penso no preço que o anunciante pagou pelo espaço. Agora um de carro. Outro de roupa. Olho em volta e todos parecem se divertir com os comerciais. Tudo muito normal, afinal de contas. Um comercial divertido que brinca com o espectador, feito especialmente para o cinema arranca risos de muitos. Um de desodorante. Passam-se os minutos, e todos ali, sentados. Filme que é bom, nada. Nem sinal. Trailler é comercial, mas pelo menos, de cinema. Nem os traillers começaram. São só comerciais. Fico nervoso, muito nervoso, e grito: filme!!!! Ninguém reage, além da minha namorada, que me cutuca. Talvez não tenham entendido. Talvez não estejam nem aí, pois propaganda é só mais uma das coisas da vida. Na TV tem, na revista tem, no jornal tem, na Internet tem. Então porque não ali, no lusco-fusco do cinema, em doses cavalares, enquanto o filme não começa? Bem ... talvez porque a coisa seja exatamente a inversa: o filme não começa justamente porque estão sendo mostrados comerciais! Filme ... a razão pela qual todos estavam naquela moderna sala, em primeiro lugar!
Pelo serviço a ser prestado, a exibição de um filme, com boa qualidade de acomodação, som e imagem, definiu-se um preço, que eu, bem como todos que ali estavam, considerei razoável. Uma transação comercial como outra qualquer. E como toda empresa, a sala exibidora tenta sempre aumentar suas receitas e controlar seus custos. Bastante justo. Caso contrário, a sala exibidora poderia quebrar, os produtores não teriam mais espaço para mostrar seus produtos, e nós não teríamos mais salas para ver os filmes. Ruim para todos, certo?
Certo. Então, ao invés de deixar acontecer algo que seja ruim para todos, decidimos e aceitamos que será ruim somente para uma pequena parcela desta equação. Curiosamente, a nossa. Nós, os espectadores. Senão vejamos:
O produtor, que já embolsou milhões de dólares pelos merchans, no caso de um filme gringo, ou milhões de reais de patrocínios subsidiados por leis de isenção fiscal, não é afetado pelos comerciais antes do filme.
Os anunciantes têm o privilégio de atirar suas mensagens sobre o público em condições excepcionalmente atraentes: som e imagem incomensuráveis, pouca distração e nada de melhor a fazer do que olhar pra tela.
As agências têm mais um meio à sua disposição e, portanto, podem autorizar e faturar mais, muitas vezes até produzindo filmes especificamente para o cinema.
O exibidor tem uma nova fonte de receita com pouco ou nenhum custo adicional e, assim sendo, melhora sua rentabilidade, agradando o acionista.
Mas, e o público? Sem essa, pelo amor de Deus, de que propaganda é um importante motor da economia e outras baboseiras com que se tenta justificar sua onipresença. O público, bem, o público é obrigado a agüentar os comerciais, sem poder mudar de canal, sem poder virar a página, sem poder fechar o pop-up. E, por sua paciente e irrestrita atenção, o que recebe? Recebe o direito de ficar quieto, de pagar o mesmo preço pelo ingresso , se o filme for brasileiro e trouxer o singelo selinho da Lei Rouanet, é bom lembrar, leva de quebra também um pouco menos de serviços básicos prestados pelo Governo, que não permite que você abata o preço do ingresso de seus impostos, mas dá à empresa patrocinadora do filme o direito de fazê-lo.
Então que tal se, junto com a programação dos filmes e salas exibidoras, em jornais, revistas e sites, viesse também a informação de quantos minutos de comercial seriam gentilmente oferecidos aos espectadores? Ou que tal se, para cada minuto de comercial exibido, houvesse o desconto de um real no preço do ingresso? Afinal de contas, é apenas pelo tempo de exibição que paga o anunciante, mas e pelo nosso tempo e paciência, quem paga?
Pois é. Como dizia um velho comercial da Sadia, que tentava introduzir no cardápio diário do brasileiro um novo prato: quem paga o pato é o papai ...
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Fábio Martinelli