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Artigo do assinante Fábio Martinelli
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É bem provável que você, assim como eu, quando escolheu trabalhar com marketing ou comunicação, não tivesse a menor idéia do que realmente fazia.

Talvez, quando moleques, tenhamos tido devaneios sobre salvar gente de incêndios, curar doentes , estudar os índios do alto Xingu ou tocar guitarra numa banda. Ou você vai tentar me e se - convencer de que brincava de publicitário ou executivo quando era criança?

Afinal, o tempo passou. Éramos pouco mais do que moleques imberbes ou garotas com poucas ovulações contadas quando o mundo nos confrontou com o vestibular, razão única de nossa existência até aquele momento.

Assim, como não nos assemelhávamos a nossos colegas de classe mais pacatos e previsíveis (serenos e centrados?), fadados à medicina, à engenharia ou ao direito, vimo-nos alfabeticamente excluindo, da Agronomia à Zootecnia, todas as possibilidades profissionais. Sobraram umas poucas, dentre as quais a tal "Propaganda & Marketing". Pouco sabíamos, é claro, da realidade desta, como da de qualquer outra profissão, exceção feita às de nossos pais e parentes mais próximos, talvez.

Entretanto, a mídia havia se encarregado bastante bem de dourar o métier, mostrando as inquestionáveis conquistas do mago Duda, as imprevisíveis estrepolias do genial Nizan e como a criatividade e habilidade para escrever do Olivetto o haviam salvo até mesmo de seus seqüestradores. E assim, fomos inadvertidamente atraídos para um mundo supostamente glamouroso e sem rotina, onde ousadia, criatividade e agilidade pareciam ser as qualidades mais valorizadas. Respiramos fundo e inflamos nossa confiança ao ver, finalmente, nossos déficits de atenção e pouca capacidade de obedecer às regras alçadas de graves falhas na sala de aula do colégio a grandes e raras qualidades nas agências e departamentos de marketing do mundo.

Deslumbrados com as verbas milionárias, com as festas nababescas, com a descontração criativa, crescemos profissionalmente e encontramos nosso caminho e espaço, alguns com mais, outros com menos sucesso, como em qualquer profissão.

Sucesso. Alguns românticos podem ainda se questionar sobre como defini-lo, mas nós temos nosso critério de sucesso bastante claro, não? Nada mais natural! Em uma profissão tão organicamente ligada ao consumo hiperanabolizado de nossa era, a ponto de não sabermos se somos sua causa ou conseqüência, a baliza pela qual entendemos e mensuramos sucesso não poderia ser outra: bem sucedidos os que trafegam no espaço AudiParigiArmani; ordinários, os que vivem no mundo VolkswagenRáscalVilaRomana.

Mas, será que é isso?

Era isso que você queria ser quando crescesse?

Queria ser alguém que tem, ou alguém que é?

Ou será que o frágil orgulho do que temos ajuda-nos simplesmente a esconder a densa vergonha do que somos?

Passamos o dia vendendo cigarros que matam, detergentes que poluem, comida que envenena, bancos que estorquem e nos enfiamos em nossos carros - que esperamos poder trocar pelo novo modelo blindado com o bônus do fim do ano - por horas, até chegar a nossos Lofts Hypes Diogos com spa e concierge, onde um uisquinho nos anestesia até o próximo round.

Mas quem, de fato, somos nós?

Somos os caras que transformaram o mundo nessa grande alucinação histérica coletiva em que o consumo é a verdadeira e única cidadania. Somos os caras que simplificaram as decisões e caminhos da humanidade: tudo o que se precisa fazer agora é optar entre as marcas. De Sabão em Pó, de Deus, de Governo, de Vida.

Não sou um desalentado irremediavelmente apocalíptico, nem acho que todos nós sejamos deslumbrados perfeitamente integrados . Creio que todos nós trafegamos um pouco esquizofrenicamente entre esses dois extremos, que a consciência clara de nosso lugar nesse mundo é fundamental, e que simplesmente continuar trocando nossas competências por grana, sem nos sentirmos nem um pouco responsáveis por esse mundo mega store é hipocrisia demais, até mesmo para um publicitário. Então que tal tentar buscar um pouco da sensibilidade e da essência que às vezes ainda são cutucadas por uma criança pedindo grana no farol, por um filminho adocicado com a Julia Roberts ou, vá lá, por um comercial de margarina família feliz? Que tal, depois de encontrá-las, fazer delas parte de nossas vidas, deixá-las à flor da pele, quando planejarmos nossa próxima ação promocional, quando desenharmos nosso próximo produto, quando criarmos nossa próxima campanha? Talvez assim a gente possa dizer que faz algo por uma vida menos ordinária, e não simplesmente por posses extraordinárias.

Março